As crianças nem sempre são o melhor que há no mundo, mas resultam muito úteis para a crítica de restaurantes.
As crianças mesmo crianças não vão em tendências nem em tops. Não lhes interessa se o restaurante é do chef A ou do chef K. Se a carne é maturada durante 12 dias ou 12 meses. Se o peixe é de aquacultura ou vivia numa gruta das Berlengas.
A gente pergunta às crianças: Gostas? E as crianças respondem: “É óptimo”. “É horrível”. Às crianças só interessa o sabor e o prazer.
Dito isto, muitas não descartam má comida. Os meus filhos, por exemplo. Quando se trata de pizzas entusiasmam-se com o Mr. Pizza. Eu como uma fatia do Mr. Pizza e meia hora depois acho que aquilo não é uma pizza mas um bocado de óleo com farinha. Por vezes, regurgito. Elas não. O estômago das crianças é uma ETAR.
Diferente é achar que lhes sabe tudo ao mesmo. Não sabe. Muitas crianças são, inclusive, provadoras experientes. Sobretudo no que respeita a rodelas de pão assadas. Algumas fizeram o circuito todo das melhores pizzas lisboetas: Mercantina, Casanova, ZeroZero, Lucca, La Finestra, Forno d’Oro. E quase todas têm bem claro o seu Top 10.
No currículo dos meus filhos faltava este In Bocca al Lupo, uma espécie de parente afastado das modernas pizzarias lisboetas – porventura a mais italiana de todas, com a particularidade de ser biológica.
De início, a rapaziada demonstrou apenas um entusiasmo comedido: o sítio falha em opulência e design, duas coisas que impressionam as pessoas miúdas e graúdas. À entrada, um balcão em madeira, recantos acolhedores, mas sem grande investimento em bric-à-brac nem qualquer solução criativa fulgurante copiada de um restaurante estrangeiro.
Todas as outras pizzarias atrás citadas poderiam ser reproduzidas em cadeia, algumas já foram: parte da ideia é fazer brand, como agora se diz. São normalmente projectos com decorador e empreendedor. E tanto fazem sentido no Príncipe Real como em Alvalade como nas Avenidas Novas. O In Bocca al Lupo não. O In Bocca al Lupo parece existir para o ambiente mimoso da Praça das Flores. O espaço é mimoso, as pessoas são mimosas, os clientes são mimosos, o tratamento é mimoso.
Para além disso, há uma mamma com dimensões de mamma, uma empregada/patroa italiana encantadora com dimensões encantadoras, pizzaolos que manipulam ervas e legumes como se fossem doutores em permacultura, a cozinha aberta, atendimento informal de trattoria romana, zero bazófia, a verdade e só a verdade.
– Que burrata é esta?
– É biológica. Mas não é como as burratas frescas de Nápoles, claro, feitas todos os dias. Essas sim são fora de série – suspira a empregada/patroa italiana, no seu jeito extremamente fresco e ingénuo.
Não se inventa, não se aumenta, não se engana. Tudo está à vista. Não há truques de poupança.
– Qual é o espumante que entra na sangria de frutos vermelhos?
– É o Reserva da Vinha da Malhada. A garrafa vem para a mesa. Sobra sempre um pouco e assim pode acrescentar à sangria.
A burrata (8€) é bem boa, servida com beterraba assada em alecrim e pesto caseiro. E a sangria (26,5€) vem carregada de amoras, mirtilos, morangos, um litro de bagas frescas. Tudo biológico, como são quase todos os ingredientes, do vinagre balsâmico à mousse de tofu picante (5€). As excepções – poucas – aparecem assinaladas na carta.
Nas pizzas, há duas dezenas de opções, os clássicos quase todos, sendo a marinara (8€), a pesto (13,5€) e a Parma (14€) três das favoritas. Os clientes podem assistir a todo o processo: o forno está à vista e, antes de serem assadas, as pizzas são alisadas e estendidas mesmo ali. A massa fica muito fina, com grandes bolhas de ar. Não espere a elasticidade de outras da concorrência, em muitos casos conseguida à custa de aditivos. Meia hora depois, vai perceber que isso é uma coisa boa.
Nas sobremesas, há seis escolhas possíveis. Experimentou-se a panna cotta (fantástico o coulis de framboesas, 5€), o tiramisù (em copo, pessoalmente não gosto tanto, mas bem feito, 5,50€) e uma mousse de chocolate vegan à base de tofu: interessante, embora fosse mais um pudim do que uma mousse (5€).
Em síntese, um restaurante familiar, único em Lisboa, onde se sente amor pela comida italiana e pelos clientes.
Agora: chegará para as cinco estrelas?
A palavra às crianças: “É tudo excelente. As pizzas são das melhores, diferentes das outras, mas excelentes. Está ao nível do Casanova, no topo da tabela".
Sejam cinco, pois.
A crítica de Alfredo Lacerda foi publicada a 06/07/2016
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.