1. Instituto do Lanche Nocturno
    Arlei Lima
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Crítica

Instituto do Lanche Nocturno

4/5 estrelas
É o restaurante chinês mais fora da caixa de Lisboa (senão, de Chelas) e pode muito bem vir a ser, mais do que um instituto, uma instituição.
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Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

A primeira vez que lá passei à porta, pensei: “Quem terá tido a ideia de abrir aqui um restaurante?” Fica no rés-do-chão de um edifício residencial, perdido na selva urbana de Chelas (extensa e disforme), longe de todo o comércio, com vista para viadutos e vias rápidas onde ninguém passa a pé, onde ninguém quer ir a pé. “Quem terá tido esta ideia louca?”

Semanas depois, a minha amiga e copydesk Helena Galvão Soares, garimpeira do petisco e do português correcto (é ela quem zela pela linguagem nesta rubrica, Deus a abençoe), iluminou-me: “É onde está agora a Sofia.” 

Conheci a “Sofia”, cozinheira chinesa, quando ela estava à frente do restaurante do 1º andar, no Martim Moniz, mesmo ao lado do supermercado Hua Ta Li. Esse apartamento já passou por várias vidas, todas empenhadas em servir tigelas fumegantes de massa aos comerciantes chineses da praça. 

Sofia praticou lá o mesmo. Mas sonhava com mais. 

Vai daí, saiu de uma micro-cozinha no centro de Lisboa e foi abrir uma cozinha grande na periferia da periférica Chelas, onde já não passam lojistas do Centro Comercial da Mouraria nem estudantes Erasmus, e só lá vai quem procura acepipes raros, da sopa de sapo ao robalo em caldo picante, das línguas de pato às espetadas de coração de frango. 

O nome do restaurante aparece apenas grafado em chinês – 夜宵研究所 –, e isso também diz ao que vem. De acordo com o Google Translate, a tradução directa é Instituto do Lanche Nocturno ou Instituto do Snack Nocturno. Parece-me poético e apropriado, até porque só abre a partir das 16.00 e fecha portas de madrugada, às 02.00 (viva!). 

[À falta de outro registo, do alto da minha cátedra, com a autoridade de quem já baptizou outras casas de Confúcio, nomeio-o, de hora em diante, Instituto do Lanche Nocturno.]

Aproximemo-nos dele, então. À partida, há sempre lugar de estacionamento mesmo à porta. Não tem que enganar: um néon grita “Restaurante Chinês”. No interior, a luz é branca como num consultório de dentista e vêem-se ursinhos desenhados nas paredes, ambiente naïf em contraste com a arquitectura pesada do bairro. 

Sala ampla, algumas mesas redondas, oleados sobre o atoalhado, como nesses carros com protecção para os estofos e cãezinhos de peluche. A bordo, famílias numerosas dos 5 aos 50 anos, quase só chineses – encontrar lá um português é como dar com um ucraniano na Praça Vermelha. Talvez por isso a carta seja, em parte, um desafio de adivinhação. 

O cardápio abre com 34 (!) variedades de espetadinhas grelhadas, o maior acervo que conheço em Lisboa. Há de tudo, de ostras a asinhas, passando por batatas, cabrito, lula, vieira – e um alinhamento de vísceras e miudezas de fazer inveja aos talhos do Mercado de Benfica: pescoço de galinha (das melhores), intestino de porco, corações de frango, e muito mais. 

O tempero das espetadinhas é um pó à base de cominhos, ligeiramente picante, a remeter-nos para a street food da China, muito saboroso. 

Nos pratos de wok, é difícil compreender o conteúdo, plasmado num menu rasurado, mas de grande riqueza lírica. Abre com “sapo de panela seca”, depois passa para os crustáceos, com o “caranguejo vadio”, segue com a “salsicha gorda” e com o enigmático “sangue peludo” (curioso sobre o sangue depilado). 

Nem sempre é fácil desdobrar estes títulos, porque Sofia, – sorridente mas patroa –, fala “pouco português” e “nada de inglês” e ainda assim é um portento poliglota ao lado dos outros funcionários. 

Segue-se a secção de “Massas e Arroz”, aquilo a que Sofia apelida de “comida para encher”, onde pontifica uma massa frita com legumes bem boa. Já nos “Pratos quentes”, listam-se mais 20 possibilidades, como o “tofu japonês escaldante” ou a “costela de porco agridoce”, este com muita saída. 

Outra prova de que estamos perante um chinês autêntico é que não há sobremesa (o conceito não existe, na China), ainda que se desenrasque para os tugas uma espécie de rabanada com leite creme. 

Em síntese: o Instituto do Lanche Nocturno, para além de ser o melhor nome de restaurante da década, entra directamente para o restrito grupo de casas chinesas autênticas, em Lisboa. Falta-me ainda bastante para desbravar a carta toda, que é extensa e hermética, mas esse é outro dos encantos do sítio. Os preços vão desde as espetadinhas a um euro até aos 35 euros pedidos pela sopa de sapo. Ou seja, pode gastar-se pouco ou muito.

De resto, não há nada assim em Lisboa. Longa vida ao Instituto do Lanche Nocturno. Para voltar, muitas vezes. 

Detalhes

Endereço
Rua Eng. Ferreira Dias, 1AB
Lisboa
1950-116
Preço
15€-30€
Horário
Seg-Dom 18.00-00.00
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