A versão portuguesa do restaurante italiano de Jamie Oliver tem três pisos com 174 lugares sentados, com direito a sala privada no -1, e dois terraços com vistas incríveis para o castelo, seguindo, em termos de decoração, a mesma linha dos restaurantes Jamie’s Italian – presuntos e alhos pendurados no bar, à entrada, e decoração em madeira, azul e cobre.
A carta é grande, tem o nome dos pratos em inglês para “preservar o espírito britânico" e faz referência aos “mais famosos” ou aos favoritos de Jool, a mulher de Jamie Oliver. Mas a oferta, ainda que adaptada a Portugal com uma ou outra substituição de ingredientes, caso do The Jamie’s Italian Burger, um hambúrguer de vaca com pancetta, cebola e, aqui, queijo da ilha (12,95€), e uma aposta num prato de peixe, o Acqua Pazza, na frigideira com azeitonas, alho, vinho, alcaparras, salsa e tomates cereja (14,95€) e noutro de carne, umas costeletas de borrego grelhadas, é igual aos dos outros espaços. Há 11 opções de massa fresca, oito de pizza, saladas e as sobremesas mais conhecidas do chef-estrela.
Caminhamos para o Jamie’s Italian com o entusiasmo de quem vai comprar cuecas à H&M. Nenhuma surpresa, nenhum sobressalto. Temos de usar cuecas, temos de comer nos sítios da moda, mesmo que a moda seja uma loja de uma multinacional.
Já lemos tudo sobre o restaurante, já vimos tudo sobre o homem por trás. Sabemos das receitas, dos livros, dos programas de TV, estamos enjoados das tábuas e do rústico, dos aventais e da cozinha italiana com sotaque cockney-sopinha-de-massa. Sabemos dos 12 Jamie’s no Reino Unido que fecharam. Adivinhamos porquê.
Na verdade, é como se já lá tivéssemos comido várias vezes nos últimos 20 anos, mais ou menos o tempo que o miúdo do Essex levou a espalhar pelo mundo o casual dining mediterrânico, com os seus ramos de cheiros e as suas mangueiradas de amazing olive oil.
A coisa é tanto mais aborrecida quanto, para nós, portugueses, a excitação com o azeite e as ervas aromáticas nos parece excessiva. Vir um bife de Inglaterra fazer campanha no Príncipe Real pelo azeite e ervas aromáticas é como um tuga ir para Piccadilly Circus vender fish ‘n‘ chips.
Só que não.
Sucedeu o seguinte. De todos
os sítios novos onde comi no Príncipe Real – e comi em muitos
– o Jamie’s foi o que revelou ter a melhor relação preço/qualidade, algo que muita gente já percebeu
e que mantém a casa cheia como um ovo, aos almoços e aos jantares, faça chuva ou faça sol.
A celebridade ajuda a explicar o sucesso, mas Jamie Oliver e Kim Jong-un parecem ser os únicos famosos que ainda não foram vistos a passear-se no Chiado. Ninguém vai lá à espera de encontrar o chef britânico, ninguém é tonto ao ponto de pagar só para comer numa cadeia de uma vedeta, ninguém confunde um restaurante com o 24 Kitchen.
O que realmente o povo procura é boas pizzas, boas massas, cozinha fresca num espaço bonito e bem gerido. E é isso que o povo tem.
Isso e o melhor serviço de mesa da zona. Numa altura em que os chefs portugueses andam por aí a lamuriar-se da falta de empregados qualificados, eis que uma empresa estrangeira chega e, em poucos meses, encontra uma data deles (ou será que os formou?, ou será que lhes paga melhor?). Num jantar recente, começámos por ser guiados por um miúdo que falava de beringela com a emoção de um pai na sala de partos. O rapaz demorou dois minutos a vir tirar o pedido mas, mesmo assim, sentiu necessidade de se justificar. Não estava a debater o último Secret Story com a colega, “estava só a combinar com a colega como iria ser feita a coordenação das mesas, que encheram todas ao mesmo tempo”.
Coordenaram bem. A colega, uma jovem de óculos de massa, misto de cientista e bibliotecária, apresentou a tábua vegetariana – uma coisa cheia de coisas e coisinhas – e cumpriu a tarefa com a precisão e alegria de um controlador de tráfego aéreo ensopado em MDMA. Pecorino com doce de chilli; mozzarella micro; pickles caseiros (beterraba, alcachofra em baga, malaguetas); puré de feijão com salsa, molho picante harissa; crostini crocante de creme de queijo ricotta e tomate; legumes grelhados em alho, azeites e ervas.
No final, a sensação de uma banhada boa, daquelas no mar da Sardenha – e a reflexão profunda: tanta tábua que há nesta cidade, tanto chef português a encher a boca de cozinha do Sul e é uma-marca-de-uma-cadeia-de-uma-celebridade-de-um-país-sem culinária a levar a taça da cozinha mediterrânica.
Mas houve mais. As lulinhas fritas compensavam o molusco mirrado com um polme gordo e seco. A carbonara, feita com massa fresca, veio cozinhada al dente e trazia bacon e lâminas de pancetta douradas e finas como papel de seda. A beringela, a tal que encantava o empregado, era recheada com lentilhas e adornada com romã, pinhão, pó de malagueta e iogurte. A pizza funghi fez justiça à fama, os cogumelos em troços rústicos, muito saborosos, a massa fofa nas bordas e fina ao centro, como as napolitanas, bem assada.
Não tão boas as duas sobremesas que provámos, sobretudo o tiramisù, aqui numa versão sem palitos de La Reine e com travo de laranja.
Tudo dado e baralhado, éramos quatro pessoas, pagámos 18 euros cada. Consigo perceber que isto não dê grande lucro a Jamie Oliver. Não consigo perceber quem diz mal.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.