Foram confusos os sentimentos que me assomaram naquela cena liderada por Christoph Waltz em Sacanas Sem Lei. A personagem principal, uma judia na clandestinidade, apanha-se em ansiógeno encontro com o maquiavélico coronel das SS, que, no mais requintado café, lhe oferece o mais exuberante strudel, numa eloquentíssima materialização de toda a passivo-agressividade do mundo. Meticulosamente filmado, sempre me pareceu francamente cruel que o desespero do encontro não permitisse à heroína desfrutar do doce. E eu nunca percebi se preferiria comer o strudel ou esganar o maldito nazi. Como Tarantino lhe trata da saúde, foi sem culpa e cheia de gula cinematográfica que, numa destas manhãs, na esplanada do café austríaco, me lancei à promessa da crocância. Mas onde estava ela? A vida não é como o cinema: não estava. A fatia (4,20€), bem generosa, era um pedaço molengão aquecido no microondas, onde uma papa de maçã – saborosa, sim, com o bom aroma da maçã reineta no clássico namoro com a canela; ainda assim, uma papa – era coberta por uma massa desvitalizada. Nem pedaços, passas, estalinhos esperados da massa filo, ou cremosidade alguma de natas: zero textura, enfim, todo um tratado de desgosto.
Mas eu adoro o Kaffeehaus. Não me conformei e pedi uma tarte de framboesa e maçã (4,20€). Deus seja louvado, pensei. Era deliciosa! Fresca, massa crocante bem recheada por imensas framboesas, e o travo da maçã a sentir-se muito discreto. E tudo coberto pelo crumble mais perfeitinho que já comi: de pedaços irregulares, cheio de textura e caramelizado da manteiga assada.
Ainda pude espetar o garfo na sachertorte (4,20€) da minha companhia, mais um típico doce vienense: um bolo de chocolate recheado por uma fina camada de compota de alperce (infelizmente imperceptível) e coberto por uma elegante camada de chocolate. Belo, portanto, mas sequito (desconfio que não era fresco). Não surpreendeu. Faltou-me muito o típico monte de chantilly – sonhei com aquele onde o nazi do Tarantino acaba, barbaramente, a apagar o cigarro.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições