1. Restaurante Kanazawa
    ©Arlindo Camacho
  2.  Kanazawa
    Fotõgrafia: Manuel Manso Kanazawa
  3. Restaurante, Kanazawa, Cozinha Japonesa, Kaiseki
    ©Inês FélixKanazawa
  4. Restaurante, Kanazawa, Cozinha Japonesa, Kaiseki
    ©Inês FélixKanazawa
  5. Kanazawa
    Ricardo LamyKanazawa

Crítica

Kanazawa

5/5 estrelas
  • Restaurantes
  • Belém
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

O restaurante fica na loja de uma urbanização indiferenciada em Pedrouços. Passa-se a porta e a sala está logo ali, pequena e sem graça, bibelots asiáticos, o balcão baixo, um arbusto de sobreiro ressequido na parede, luz mal direccionada, fria. “É isto?”, pergunta a minha namorada ao ouvido. É isto.

Sempre foi isto com os restaurantes de Tomoaki Kanazawa. A decoração é o seu ponto fraco. E ele não delega nada. Nenhuma dúvida de que desenhou tudo, fixou quadros, decidiu do gosto e do sítio. O resultado não é bom, a história repete-se. O seu anterior restaurante em Algés era já o melhor japonês do país e parecia uma agência bancária.

Há aqui um traço de carácter, uma teimosia. Mas também é esse lado obstinado, apaixonado, que torna Tomo numa figura única na gastronomia portuguesa. O investimento está todo no produto e no prato, num projecto e numa ética, sem truques nem propaganda barata.

Com este Kanazawa ganha-se ainda outra dimensão: a relação com o cliente, a comunicação, o lado ritualístico da refeição kaiseki. À chegada, a mulher, a extraordinária pasteleira Kayo Kanazawa, trata as pessoas pelo nome, respeitosamente. Do lado de lá do balcão, Tomo sorri mais do que sorria quando tinha de aviar dezenas de menus de sushi por noite – e fala e explica.

De início, nota-se algum constrangimento. Mas o ambiente rapidamente se distende, sobretudo se houver companhia ao balcão. Às tantas, está toda a gente a cobiçar o prato do vizinho, a questionar, a trocar cromos.

Uma das grandes virtudes deste formato é também o ritmo da refeição. O chef controla os tempos, está sempre com um olho na faca outro na boca do cliente. As pausas parecem cronometradas. O Menu Tasting, que provei, dura duas horas e meia sem alguma vez haver um momento morto.

Sobre a comida, não amei tudo mas não dispensava nada. Boa parte da experiência está na diferença. É evidente que o paladar português gosta de sabores mais ácidos, mais salgados, gosta de contrastes fortes. E que a culinária japonesa tem muitos mais que ver com harmonias, subtilezas. O arroz ichimonji, por exemplo, servido ao início, simplesmente cozido, pode parecer uma coisa banal, neutra. Mas faz todo o sentido no início da refeição, ao lado de uma sopa de miso e de uma pasta de cabeça de camarão. Ainda hoje guardo o sabor na boca desse arroz branco, a delicadeza da textura, o grão perfeito.

No Kanazawa aprende-se, está-se sempre a descobrir uma coisa nova. As flores dos grelos, aquela coisa que deitamos para o lixo quando vamos fazer sopa – nunca tinha olhado para elas com atenção. “No Japão é a parte mais valiosa”, explica o chef. E são de facto magníficas.

Outra lição. Bombocas, para mim, eram aquelas coisas de chocolate dos anos 80. Tomo ensina-nos que também é um bivalve. E dá-a a provar (com um pouco de terra, único erro de toda a refeição). Há mais. Flor de bananeira do Alentejo, a extraordinária gamba azul de Cascais, dicas sobre a melhor altura para comprar legumes, carnes, peixes (o pargo, agora, está gordo como nunca, e aqui é cozido e depois fatiado e colocado sobre uma folha de lima kafir e gelo. “A seguir vem a época do sargo”. Anotado).

O atum, obrigatório. A melhor barriga de atum da cidade sempre foi a do Tomo. E muita gente vivia órfã desse concentrado de umami. Eu vivia. Ora, no Kanazawa está ainda mais recortada, mais intensa, perfeita.

E não esquecer Kayo Kanazawa. Aquela senhora que serve ao balcão, vestida com um magnífico quimono, faz dos melhores doces que provei em Portugal. Tudo no espírito kaiseki, aproveitando as frutas da época, nada excessivamente forte, alta joalharia em cada peça.

O Kanazawa tem falhas? Tem. A carta de vinhos é relativamente básica para um restaurante deste nível. Os electrodomésticos fazem um zumbido excessivo. O espaço, lá está, também não é bonito.

Em todo o caso, no final o que interessa é o seguinte: ninguém se lembra disso.

Eu saí eufórico. A minha namorada beijou o chef.

A crítica de Alfredo Lacerda foi publicada a 21/10/2016

Detalhes

Endereço
Rua Damião de Góis, 3 A
Algés
1400-088
Transporte
BUS 723, 729. Eléctrico 15
Preço
Acima de 100€
Horário
er-Sáb 12.00-15.00/19.00-21.30. Lanche Sex-Sáb 16.00-18.00
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