1. Restaurante, Cozinha Japonesa, Kappo
    ©Mariana Valle LimaKappo
  2. Kappo
    Mariana Valle Lima
  3. Kappo
    Mariana Valle LimaLula gigante dos Açores com beurre blanc de ouriço do mar
  4. Restaurante, Cozinha Japonesa, Kappo
    ©Mariana Valle LimaKappo

Crítica

Kappo

4/5 estrelas
  • Restaurantes
  • Cascais
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

É muito difícil para um cozinheiro português conseguir entender a cozinha japonesa. A barreira começa na língua, passa pelo produto e acaba no paladar.

O paladar dos portugueses é excessivo. Queremos tudo em muito. Muito sal, muita especiaria, muito doce, muita gordura. O contrário dos japoneses. Os japoneses preferem a subtileza, o minimalismo, a elegância. Sirvam a um japonês o molho de soja com que os portugueses dão banho ao salmão e eles têm uma overdose de cloreto de sódio.

Daí que desconfie sempre quando me vendem um restaurante tradicional japonês – sobretudo se tiver grandes ambições, como é o caso deste Kappo.

A fasquia do mais badalado novo restaurante de Cascais foi colocada muito alta, desde a abertura, em Julho. O conceito é o da refeição kappo, “um estilo de cozinha tradicional japonesa de elite”, para usar as palavras com que o restaurante se apresenta. A degustação kappo não chega a ser uma degustação kaiseki, em que a exigência com produto, equilíbrio e sazonalidade é enorme – mas está lá perto.

Ao almoço, há apenas dois menus, o Omokase, em que o cliente fica nas mãos do chef; e o Danketsu, com dez momentos. O primeiro custa 75 euros, o segundo 90. Fora bebidas.

Optando pelo Omakase, sabemos que vamos comer dois snacks, dois pratos de sashimi e depois uma dezena de niguiris. No dia em que lá fui, a abertura fez-se com um rolo de toro (parte da barriga do atum) em alga nori, com caviar. Uma maravilha, com reminiscências a um prato que comi no Midori, do hotel Penha Longa, já faz uns anos.

Seguiu-se o ankino, fígado de tamboril tradicionalmente esfregado em sal e saké, temperado com molho mirin e soja, mais um toque de wasabi do verdadeiro, a raiz da planta raspada no momento (incomparavelmente fresca e exponencialmente mais cara do que a pasta de rábano e mostarda que nos servem no sushi comum).

Quanto ao sashimi, consistiu em fatias de barriga de lírio e de chu-toro (parte da barriga do atum, menos gorda do que a do toro), todas elas maturadas com rigor.

[Tenho algumas dúvidas em que se use peixe maturado no sashimi de lírio e de chu-toro, ou mesmo no sashimi em geral, como regra. Desde há uns três ou quatro anos, os chefs descobriram que a cura do peixe pode ser interessante (em sal ou salmoura, a temperatura controlada). A cura – que pode ir de meia hora a duas semanas – permite uma conservação mais segura e uma gestão mais fácil dos stocks. Vai daí, hoje é difícil comer peixe fresco, sem qualquer maturação, seja num fine dining europeu, seja num japonês de nível mais alto. Um exagero. A cura torna o peixe mais firme e pode ser indicada nalguns cortes, peixes e pratos, mas também lhes retira parte da originalidade e pureza, uniformizando textura e sabor.]

Partiu-se então para a sessão de niguiri, com o chef Tiago Penão a moldar o arroz mesmo à frente do cliente. Para quem gosta de cozinha, é obrigatório ficar ao balcão, sobretudo nesta fase. Os niguiri são o momento mais alto de uma refeição kaiseki, combinando duas das técnicas mais nobres da cozinha japonesa: o arroz e o peixe.

No caso, Tiago Penão entrega-nos diferentes variedades, da enguia à sardinha, que devemos agarrar com a mão e comer de uma vez. O arroz é cozinhado em vinagre, sem açúcares adicionados, e vem naquele ponto em que os bagos surgem nítidos, só uma cola suave a uni-los. O peixe é colocado por cima, a cobrir o arroz, sendo que a quantidade de peixe para a de arroz me pareceu desproporcional: faltou volume de arroz para equilibrar a potência dos peixes, sobretudo dos mais fortes, como a sardinha.

Nas sobremesas, há ainda trabalho a fazer, mesmo tendo gostado do purin (pudim) com pickle de ameixa japonesa. É bem verdade que nem sempre é fácil agradar à clientela portuguesa nesta matéria, bem mais doceira do que a japonesa, mas também é falso que isso seja impossível. Basta lembrar a pastelaria elegante de Kayo no saudoso Kanazawa, do chef (e seu marido) Tomo Kanazawa.

Concluindo. Tenho apreço pelo percurso de Tiago Penão. Começou por baixo, a lavar copos no Assuka, no longínquo ano de 2006, ainda os portugueses achavam que ramen era nome de banda de heavy metal. Daí para a frente, passou por outras cozinhas onde o peixe e o Japão estiveram sempre no centro, como a Cevicheria ou o Midori. É, por isso, alguém que leva a sua missão com paixão e seriedade e que quer provar que um gaijin (estrangeiro, em japonês) pode vencer, mesmo que não reproduza fielmente o manual.

Tendo em conta o preço da refeição, a este Kappo falta no entanto um ambiente mais exclusivo e intimista (talvez umas cortinas ajudem a fazer esse corte com a rua) e comida ainda mais especial e precisa. Tudo afinações atingíveis, assim Tiago Penão mantenha a paixão pela cozinha, e os seus sócios – ambos cascaenses, André Simões de Almeida e José Maria Trocado – lhe dêem condições para evoluir.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Avenida Emídio Navarro, 23 A
Cascais
2750-480
Preço
100-120€
Horário
Ter-Sáb 12.30-15.30/19.30-22.30
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