Foi há 23 anos que conheci a Grécia, era então um repórter novato. Nessa altura, os jornalistas viajavam bastante. Os destinos com maior procura eram sofisticados, como Nova Iorque; ou exóticos, como a Amazónia; ou perigosos, como Bagdad. Não admira, por isso, que, quando o editor atirou o convite em plena redacção – ”Quem quer ir a Atenas?” –, ninguém se tenha chegado à frente. A não ser o estagiário.
Parti para Atenas sem expectativas, mas ao final do primeiro dia estava rendido. Calhou ter ido logo parar ao enorme mercado municipal, que se dividia por uma área de hortícolas e pela zona de peixe e carne. Lembro-me de borregos inteiros pendurados nos talhos abertos e de grandes barris de azeite com conservas de peixe, azeitonas, pepinos. O ar tinha uma mistura extravagante de aromas a fermentação, flores, endro e fruta.
Acontece que, depois disso, nunca mais. A cozinha grega ficou como um sonho remoto. Longínquo. Até que apareceu o Kefi.
Por tudo o que se contou, eu sabia que um restaurante grego em Lisboa poderia ser um sucesso. Já tínhamos tido algumas experiências, como o Dionysios, nas Janelas Verdes, mas também o mais recente Pita Gourmet, na Costa da Caparica, de que sou fã. Mas o Kefi é outra coisa, tem outra ambição. O seu sucesso, mal abriu, há uns quatro meses, é prova disso. A primeira coisa a encantar o Instagram terá sido o espaço. Estávamos habituados ao folclore, à mitologia helénica e à caligrafia angulosa, e de repente as redes sociais mostravam uma sala limpa, luminosa, sofisticada.
É certo que está lá o azul marinho, mas o ambiente dá-nos primeiro o casario alvo de uma escarpa insular e só depois os tons carregados do mar, em fundo. A luz entra pelos janelões do rés-do-chão, uma esquina idílica rodeada de prédios extraordinários, com alguma da azulejaria mais bonita da cidade. Mesmo na casa de banho podemos ter essa experiência de luz e cor, no belíssimo lavatório com vista para a rua. É um grego lisboeta – e será um grego sem gregos.
Como aqui escreveu Hugo Torres, na abertura, os donos são o casal de ucranianos por trás do café Heim, em Santos, e também do Seagull Method Café – duas casas bonitas e boas dedicadas a pequenos-almoços. A ideia de juntar ao portefólio um bistrô grego, nasceu de uma viagem a Nova Iorque, onde a espécie abunda. Um dos donos, o chef Misha Lytvynenko, construiu a partir daí um menu de clássicos, adaptados a uma estética bistronómica e moderna. Estão lá o tatziki, o famoso molho de iogurte, pepino e endro, ou a pasta de beringela fumada com limão e nozes, guloseimas boas para espalhar no pão pita, servido quente. Ainda nas entradas, sou fã das malaguetas em pickles, crocantes e ligeiramente picantes, a nadar em bom azeite grego e limão; e das azeitonas kalamata, outro ícone do país, bem melhores que essas azeitonas verdes grandes de supermercado, ensopadas em ácido acético.
Nos principais, estão presentes as famosas almôndegas “keftedes”, e, claro, a massouka, das melhores que provei, a pedir um tinto grego (a carta tem poucas entradas).
Notas menos positivas para o polvo marinado em molho verde, sem expressão nem frescura; e para a sobremesa, os loukoumades com gelado. Os loukoumades são uma espécie de sonhos, uma pilha de bolinhas acabadas de fritar onde é descarregado o gelado, que vai derretendo. No caso, escolheu-se o gelado de pistáchio, de produção industrial.
Isto não desmerece o balanço final, que é muito bom e pode ser ainda melhor. Oxalá não haja facilitismo e se mantenha o compromisso de usar ingredientes gregos (os donos garantem que 70 por cento o são, mas sabemos como o tempo, por vezes, vai afrouxando o respeito pelo produto original). E oxalá, com o sucesso garantido, se possa ir para lá do cardápio grego mais óbvio e internacional. Que Misha esteja atento à cozinha e se mantenha apaixonado.
Longa vida ao Kefi!
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.