O primeiro embate com a política ambientalista da casa aconteceu com o guardanapo. Onde está? Olhava para a minha mesa, olhava para as outras mesas. Nada.
De cada vez que levava o copo de vinho à boca (vinho natural, claro) e via o rebordo marcado com os resquícios dos lábios, a questão ressurgia. “Será? Isto é absurdo.” No minuto seguinte, reconsiderava. “Ah, qual é o mal de o copo ficar baço e peganhento e autocolante? Não sejas burguês.”
A refeição prosseguiu assim. A minha companhia, mais jovem e mais actualizada, mantinha-se também sem limpar a boca, muito natural.
Veio a tábua de queijos. Estando nós num restaurante vegetariano, queijo era metáfora para umas rodelas feitas à base de leite de amêndoa. Comeram-se bem, acompanhadas de pão caseiro feito de farinha integral de trigo barbela, um trigo antigo e saboroso moído ali mesmo.
Aos cinco minutos, a boca ainda estava apresentável, mas o asseio duraria pouco.
Seguimos para os croquetes de arroz, fritura limpa, crocantes. Boa também a saladinha de cenoura à moda do Algarve. E logo chegou o chili, outro prato vencedor: feijãozinho rijo, como deve ser, no topo uma espécie de natas ácidas, também elas à base de amêndoa (a época tinha acabado de começar), a dar um toque de doçura à boca (e ao copo).
De seguida, um dos melhores da noite, a couve grelhada. Couve grelhada é a nova couve-flor. Não há restaurante à base de plantas que não tenha a sua couve grelhada e quase sempre isso é uma coisa boa. Esta tinha um molho de salsa alimonado e um extra: bolinhas estaladiças de grão, a lembrar milho frito mas melhor, só secos no forno.
Aumentou com isto a sede (e com a sede a mancha de sebo no vidro do copo).
A terminar os salgados, o prato de autor: raviólis com creme de tremoço. Saborosa a massa, também ela de farinha barbela, soberbo o recheio e o creme de tremoço. O autor é Rui Catalão, metade do casal Kitchen Dates, sozinho a tratar de tudo na cozinha aberta.
Nesta altura, já o copo era um borrão – e mais ficou depois da sobremesa, a famosa tarte de nutarroba. Maria Antunes, a outra metade do casal Kitchen Dates, a comandar a sala, veio explicar que a tarte daquele dia era uma versão marcada pela sazonalidade: em vez de avelãs, fora de época, haveria amêndoas a fazer companhia à alfarroba.
No fim, Maria Antunes explicou o conceito todo. O Kitchen Dates não é só um restaurante. Nasceu como um pop up, então um brunch vegetariano célebre em Campo de Ourique, e cresceu para este espaço de mesa corrida em Telheiras, com loja e workshops.
Em matéria de sustentabilidade, não conheço outro restaurante assim: o compromisso é de zero desperdício. Não há caixote do lixo: o que não é reutilizado na cozinha vai para composto. De resto, os hortícolas vêm de um raio de 50 km, para diminuir a pegada ecológica (dentro em breve, serão 500 metros: acabam de ganhar um talhão de terra para cultivarem, em Carnide, atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa). O resto dos produtos, não podem ter origem a mais de 500 km. Pimenta preta? Não há. Café? Não há. Chocolate? Não há.
E guardanapo, há?, pergunto, por fim. “Guardanapo, há”, responde Maria, com uma risada. A questão já é uma piada no Kitchen Dates, descubro. Ao lado do prato, estava um bocado de pano, um quadrado mínimo. Fora colocado debaixo dos talheres, no início da refeição – e na minha cabeça só podia ter essa função: servir de base para os talheres. “Há quem use também como base de copos”, acrescenta Maria, sarcástica.
Maria estudou o assunto e descobriu que esta gramagem de guardanapo de pano era a mais benéfica para o ambiente. Chegava e sobrava.
Melhor, só mesmo sem guardanapo.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.