Kuwazi
Mariana Valle LimaKuwazi

Crítica

Kuwazi

4/5 estrelas
Um antigo clandestino da Mouraria mudou-se para a zona do Campo Pequeno. Alfredo Lacerda meteu-se numa nave espacial e foi lá revisitar as espetadas de vísceras
  • Restaurantes
  • Grande Lisboa
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

À partida, um restaurante numa cave não é uma coisa boa. Mas se o lugar der ares de clube de universitários chineses em busca de porco de Yuxiang, tripas e espetadas de coração de frango, então uma cave é belo refeitório.

O Kuwazi nasceu há três anos no Centro Comercial Columbia, ao lado do Centro Comercial Apolo 70. Ambos são desses shoppings que pareciam modernos nos anos 1980, quando a Sonae vendia madeiras e as naves espaciais eram um desígnio mundial e não marketing de milionários.

Hoje, o Columbia e o Apolo dão guarida a gabinetes de nails, snack bars, pronto-a-vestir e outros lojistas extraterrestres.

Assim que entramos no Columbia, descemos umas escadas e, logo à direita, eis o Kuwazi, onde levantamos voo em direcção à China. A única janela para a rua é um quadro luminoso que imita uma janela, um dos vários elementos decorativos infantis ou aleatórios do sítio.

A anfitriã é uma chinesa extrovertida que recordo de outra sala de comer, nas traseiras do Centro Comercial da Mouraria. “Nós viemos para aqui há três anos. Antes estávamos na Rua da Mouraria, mas com a pandemia ficou difícil continuar lá. Muitos dos nossos clientes de então continuam a acompanhar-nos”, confirmou-me, na primeira visita.

O apartamento da Mouraria servia na clandestinidade a mesma comida do Kuwazi, com origem no Nordeste da China. Recordo, em particular, uma sopa de borrego com nabos, mas também os noodles, dessas fitas grossas – feitas na casa, como ainda acontece.

O Kuwazi recupera outros clássicos de chinês autêntico, como os guo tie, raviólis de massa de trigo caseira recheados com carne e maravilhosamente caramelizados na chapa; e também outras raridades, difíceis de encontrar em Lisboa, como as espetadinhas temperadas com cominhos e malagueta.

As minhas preferidas são as de borrego, de moelas, de coração de frango e de asinhas. Para os vegetarianos, a oferta vai dos cogumelos Paris às espetadas de batata e de pimentos, estas sem picante.

Umas e outras são ideais para encharcar com Tsingtao. A célebre cerveja chinesa leva o nome da cidade costeira da província de Shandong, de onde provém a dona do Kuwazi, com quem podemos aprender sobre o assunto. Diz-nos ela que a cerveja Tsingtao distribuída no Ocidente, com produção na Holanda, nada tem a ver com a que se bebe directamente das torneiras das cervejarias da cidade chinesa, feita na fábrica local a partir de água de nascente das montanhas.

O que é mesmo autêntico de Shandong é a receita de entrecosto frito do restaurante, com polme trigueiro, cheio de sabor; ou as sopas de noodles de batata doce, com ou sem carne, mas sempre com um caldo de notas cítricas e picantes, e com amendoins torrados – uma combinação notável. A acompanhar vêm uns rolos de crepes com folha de alface no interior e pedaços de massa frita, uma delícia simples e estaladiça (que tem a surpresa de conter um elemento cru – algo raro na China).

Outra aposta são os pratos na caçarola, muitas vezes juntando carne (borrego, porco) e algas ou bambu seco.

No final, não peça um doce, porque não há – e porque a nossa simpática anfitriã merece respeito: em três anos, já terá explicado centenas de vezes que não serve sobremesas. Esse momento está ausente da cozinha tradicional chinesa – sendo, aliás, uma inovação europeia relativamente recente. Em algumas regiões, como a de Cantão, no final das refeições serve-se fruta da época – e é só.

Os chineses têm pratos tradicionais doces, como o leite frito ou as sopas doces, mas são normalmente comidos fora das refeições principais. De resto, os deliciosos gelados fritos e as bananas fa-si foram popularizados por comunidades emigrantes fora da China, a maioria entre Los Angeles e Nova Iorque.

Em síntese. Mesmo sem doce – ou talvez também por isso – o Kuwazi é altamente recomendável para quem gosta de viagens gastronómicas. Agarre-se bem aos pauzinhos e levante voo.

Detalhes

Endereço
Avenida Júlio Dinis, 14, loja 11
Lisboa
Preço
10€-15€
Horário
Seg-Sáb 12.00-16.00 / 18.00-22.00
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