Até há pouco tempo, os lisboetas não perdiam tempo a discutir a naturalidade de uma pizza. De nada interessava se era romana ou napolitana (ou até paulista – não esquecer essa estirpe que também existiu na cidade). A coisa dividia-se entre pizzas de massa fina, artesanais, cozidas em forno de lenha, típicas das boas pizzarias; e pizzas de massa grossa, massificadas, aquecidas em forno eléctrico, típicas das cadeias de restauração ou das arcas frigoríficas dos hipermercados. O que não quer dizer, note-se, que não houvesse, da parte dos pizzaiolos e donos dos restaurantes, essa distinção na génese. Acontece que ninguém queria saber.
Agora, com a quantidade de boas pizzarias que foram abrindo, houve uma necessidade de marcar pela diferença. Uma apresenta um forno forrado a ouro, noutra só se usa lenha de azinho e sobreiro, outra tem uma massa que fermenta no mínimo três dias, outra só usa produtos biológicos. Pela mesma altura, os foodies cresceram e multiplicaram-se (e não, foodie não é só uma pessoa que diz, “ai, eu adoro jantar fora!”). Ou seja, já se trocam bitaites a sério sobre a massa de um, as bordas tostadas de outro, a humidade do centro de aqueloutro. E com isto aprendeu-se que nas pizzas há Roma vs. Nápoles. Da capital chegam as pizzas de massa mais fina, quase sempre com menos fermentação; da cidade do Sul vêm as pizzas de massa mais grossa, longa fermentação, tostadas nas pontas, húmidas no centro.
Humberto e Márcia, os donos da Lambrettazzurra Pizzeria [atenção à bonita duplicação de consoantes neste nome], não são sequer italianos. Vieram do Rio de Janeiro para Portugal há 25 anos, fundaram uma famosa marca de biquínis em Cascais, a Marhum, tiveram três filhos e, há coisa de quatro anos, Humberto atirou -se a um sonho antigo: tornar-se pizzaiolo. Andou em estudos em Itália, arranjou fornecedores em Nápoles (de queijos, enchidos, etc.) e abriu um pequeno restaurante em frente ao antigo hospital, onde só faz pizzas napolitanas. Não tem mais de 30 lugares, não tem mais de três pessoas entre a sala e a cozinha e, sobretudo, não tem pressas. Tem mais ar de restaurante tradicional português do que de italiano, apesar de a música nos querer indicar o contrário, e apesar de ter um frigorífico de bebidas carregado a grappa, frascati, chianti e Peroni. Tem sido um caso de sucesso na vila, em parte graças ao boca a boca, mas também, claro, à qualidade das pizzas.
Jantei lá recentemente em duas ocasiões. Das duas vezes achei o serviço algo demorado, algo trapalhão, mas sempre simpático, honesto – “sabe, hoje estou sozinha, faltou um colega meu”. E depois este é um daqueles raros casos em que tudo se esquece quando a comida começa a vir para a mesa.
Primeiro a focaccia. Muito fininha, estaladiça, regada a azeite, flor de sal, uns pingos de molho de tomate e ervas aromáticas frescas. Uns bons orégãos de ramo e alecrim. Deliciosa, viciante. Provei também a burrata, original da Campânia (região cuja capital é Nápoles), também muito boa, acompanhada de rúcula e tomates cereja, azeite e vinagre balsâmico.
Nas pizzas, excelente a Vegetariana, com molho de tomate, curgete, beringela, alcachofra, tomate chucha, orégãos e azeite. Uma óptima base de queijo, bem molhada no centro, todos os legumes com muito sabor. Forte, mas também excelente a Prosciutto di San Daniele, com lascas finíssimas de presunto, outras já mais grossas de parmesão, rúcula e azeite. Muito boa a Regina Margherita, com mozzarella de búfala da Campânia DOP, o molho de tomate de base e folhas de manjericão. Uma versão sofisticada da margherita, muito gulosa.
De sobremesa um avelutato rosso (que nem sempre há), bolo XL à fatia, com a base red velvet, muito famosa nos cupcakes, e uma cobertura de mascarpone.
Tudo somado, com entradas e cerveja italiana de pressão, a refeição sai entre os 20 e os 25€. Não é barato para uma pizzaria, é certo. Mas vale o gasto. E vale o desvio a Cascais.
[Nota final: o restaurante vai mudar esta semana para a Travessa Visconde da Luz. E é provável que esteja pronto no fim-de-semana].
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.