Foi a segunda vez que almocei na Embaixada e voltei a sentir-me deslocado. O Palacete Ribeiro da Cunha parece um riade de Marraquexe em pleno Príncipe Real, projectado por um arquitecto sob o efeito de ácidos. O estilo é neo-árabe, o senhor que desenhou o edifício do século XIX era um português relativamente desconhecido, e nem a inspiração veio do Magrebe, veio da casa de um capitalista português residente em Manaus, Brasil. Tudo para o senhor Ribeiro da Cunha, também ele abastado e amante de abóbadas e clarabóias.
Foi precisamente no pátio, debaixo da clarabóia central, que almocei, e desta vez melhor do que na estreia. Nessa altura, o restaurante que dá de comer aos clientes das lojas – perdão, dos espaços – deste centro comercial – perdão, desta galeria comercial – era outro, e razoável, mas o nível subiu muito deste que Miguel Castro e Silva se meteu ao barulho e nasceu este Less.
O projecto tem a particularidade de acontecer a reboque do bar da Gin Lover’s, no mesmo espaço, com carta própria. E é mais um restaurante da cidade com o apêndice “by chef”, o que por vezes significa bye chef: ou seja, mal acaba o almoço de apresentação à imprensa, o chef agarra nas suas faquinhas e no seu dinheirinho e bye à sua vidinha, deixando como única marca as fichas técnicas dos pratos que alguém tratará rapidamente de aldrabar.
Não parece o caso.
Castro e Silva até pode estar ausente (o empregado disse que faz visitas regulares), mas na cozinha há um residente permanente que sabe da poda, nenhuma dúvida sobre isso.
A primeira prova surgiu logo a abrir, com o robalo marinado em citrinos, funcho por cima, o peixe em fatiado em dominó. Assim que o vi lembrei-me do saudoso restaurante Bull & Bear, no Porto, onde o chef ganhou nome e eu comi este prato, há uns quinze anos. Fresco e exótico, uma variação superlativa da clássica combinação de salmão e aneto.
Depois, provei só o melhor risoto do ano – e sabe Deus a quantidade de risotos que esta cidade nos dá e eu recebo. O grão duro por dentro, gordo, e a ligar tudo queijo Gorgonzola na quantidade certa. Ao lado pêra Rocha em vinho do Porto e vinagre balsâmico, a consistência perfeita, nem farinhenta nem rija, bela ligação com o cereal.
A completar o trio (o empregado recomenda três pratos para partilhar por duas pessoas), vieram uns raviólis de abóbora assada com lâminas de amêndoa torrada e parmesão, delicado e inteligente, outra vez Castro e Silva a ir misturar o livro de receitas tradicionais com anotações de viagens.
Estava enganado o empregado, três foi pouco para o duo de comensais e houve necessidade de recorrer ainda ao Parmentier, o novo menino bonito da restauração sofisticada da cidade: puré de batata trufado e manteigoso, com uma gema de codorniz crua para misturar na mesa e um espargo verde magnífico, crocante. Uma delícia, um bocadinho de trufa a mais e era o céu.
Para muitos, esse espaço está reservado aos doces. E até nisso o Less não desiludiu: a tarte de limão merengada é perfeita para gulosos e é fresca e tem tudo o que uma tarte de limão merengada deve ter, incluindo a base consistente, o recheio de um creme condensado e açúcar, demasiado açúcar.
A carta do Less (curta e suficiente) é mais delicada e internacional do que a de outros sítios onde Miguel Castro e Silva tem assento, incluindo o restaurante do Time Out Market, galeria de comida muito aqui de casa, ou o De Castro Elias. Podíamos embirrar com isso por a Embaixada querer ser uma montra do melhor do país. Mas lá está, já falámos da arquitectura neo-árabe. Interessa sobretudo a comida. E essa é magnífica.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.