Admito que posso ser benevolente com restaurantes de cozinhas de outros países. A tendência é para sobrevalorizá-los. Só a surpresa, só ser algo diferente, já me parece uma coisa boa – e isso distorce a avaliação.
Há uns tempos, por exemplo, falei com um chef que está há vários anos no Japão, onde cozinha menus kaiseki (degustações japonesas muito refinadas). Perguntei-lhe o que achava dos restaurantes japoneses em Lisboa. Sendo uma pessoa civilizada, ele foi cuidadoso. Mas o que quis dizer foi muito claro: tudo fraquinho. Engoli em seco.
Enfim, como forma de melhorar a minha performance crítica, desta vez levei um amigo com mãe italiana. E logo a abrir surgiu um teste de fogo: o minestrone. O minestrone é uma sopa de entulho clássica italiana. “Estou com medo de pedir”, atirou o Pedro. “É que o da minha mãe é muito bom.”
A sopa aterrou ainda estava eu a molhar o pão num azeite italiano, equilibrado mas com um final amargo, um Allegretto (Toscânia), com 50 por cento de azeitonas Frantoio e 30 por cento de Moraiolo – muito bom. Quem quiser, pode comprá-lo na banca de produtos ao fundo do restaurante, colado à cozinha aberta.
Voltando à sopa. Aterrou e ficou tudo em suspenso, incluindo a empregada, que se terá apercebido da genealogia do comensal. Por fim, a sentença: “É um bom minestrone.” Legumes aos cubinhos (se quiserem parecer chiques, podem dizer “em brunoise”), um caldo liquefeito mas saboroso. E eu não desgostei menos do meu gaspacho, uma cooperação luso-espanhola-italiana, na verdade um creme à la salmorejo, com folhas de manjericão.
Por aqui já se percebe que este Libertà, um desses restaurantes de hotel (Hotel Lisboa) feitos para não parecerem restaurantes de hotel, é um sítio com um pé em Itália, mas vontade de viajar, ainda que não para muito longe.
Tendo o meu amigo luso-italiano à mesa, fomos para as massas, anunciadas como caseiras e frescas. Ponto prévio. É preciso distinguir massas frescas de massas frescas caseiras. Massas frescas existem em muitas cozinhas desta cidade – e até na secção de frios dos supermercados: massas frescas podem ser industriais e ser piores do que boas massas secas, como as da DeCecco. Agora, massas frescas feitas por quem sabe são imbatíveis – e são raras.
As que experimentei foram das melhores que comi em Lisboa e contaram com a aprovação, mais uma vez, do Pedro – que se lembra de moldar tortellinis com a avó, quando ainda nem andava de bicicleta. Especial destaque para o tagliatelle com ragu de coelho, azeitonas, pinhões e tomilho, a massa umas fitas al dente mas sem domínio farináceo, a substância um coelho guisado, de que se esmifrou o caldo. Mas estavam também bons os raviólis de tomatada e limão confitado (pareceu-me), e amêndoas laminadas (por tostar, pena).
O desenlace foi dirigido para o tiramisù e eu já nem quis ouvir mais nada. Sabe quem lê esta rubrica, que é a minha sobremesa favorita e, felizmente, Lisboa está cheio deles – e quase todos se arvoram em serem “o melhor da cidade”. Este não é diferente e é muito bom. Gostava, contudo, de ter sabido previamente que havia uns cannoli como opção, aqueles charutos recheados de ricota típicos da Sicília.
Dizer ainda que o Libertà é um projecto de Alykhan Popat, um empresário de ascendência luso-queniana, com 24 anos. Alykhan tem outros projectos gastronómicos em Lisboa, entre eles o Pescatore, takeaway e delivery de pratos de peixe. Já o chef é Silvio Armanni, natural de Bérgamo, mas viajado: já passou por três restaurantes com estrela Michelin, o último dos quais o Octavium, em Hong Kong.
Come-se bem no Libertà – digo eu e diz o Pedro. Problema: o serviço ainda não está consolidado. As sopas vieram em momentos diferentes e sabe-se pouco de vinhos, com poucas garrafas e quase todas abaixo do nível da comida. Para se ter uma ideia, um tinto foi servido à temperatura ambiente (a rondar os 23-25 graus), coisa que deveria já estar arredada de todos os restaurantes – e ainda mais dos gastronómicos. O outro problema é que ainda lhe falta alma e ambiente, sendo a população o turismo volátil da Avenida da Liberdade. Decoração bonita e luminosa. Preço apropriado.