1. LOCO, Alexandre Silva, Zaiyu Hasegawa
    Arlei Lima
  2. LOCO, Alexandre Silva, Zaiyu Hasegawa
    Arlei Lima
  3. LOCO, Alexandre Silva, Zaiyu Hasegawa
    Arlei Lima
  4. LOCO, Alexandre Silva, Zaiyu Hasegawa
    Arlei Lima
  5. Loco
    Fotografia: Arlindo Camacho

Crítica

Loco

5/5 estrelas
  • Restaurantes
  • Estrela/Lapa/Santos
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

De início houve alguma bazófia e era fácil embirrar com o sítio. Quando alguém sente necessidade de proclamar a sua “corrente criativa constante”, frequentemente acaba sozinho num onanismo preguiçoso gritando aleivosias contra os brutos lá fora.

Ninguém gritou no Loco mas a reacção a um projecto que se apresentava com “um outro nível conceptual”, “uma experiência total”, foi vigorosa. Um respeitável crítico gastronómico espanhol foi quem primeiro disse “nem tanto”. Depois de uma visita a Lisboa, Carlos Maribona escreveu no blogue do jornal ABC um texto amargo. Nem a cozinha do chef Alexandre Silva era assim tão original, nem a comida era assim tão boa, nem a meta-culinária se recomendava. O crítico achou pouca graça, sobretudo, a ser servido à boca. A coisa descambaria numa subpolémica: de um lado os que queriam ser servidos à boca, do outro os que não queriam. Em qualquer caso, Espanha punha a foice em seara alheia.

O terramotozinho na comunidade lusa foi imediato. Bloggers e facebookers espalharam a sua indignação contra o invasor espanhol. Gente pronta a marchar pelos povos de todos os feitios malhou no irmão ibérico como se fosse 14 de Agosto de 1385.

Toda a gente perdeu a clarividência. Toda, menos Alexandre Silva.

O texto de Maribona não deitou abaixo o chef, apresentado à nação em 2012, com a vitória no concurso Top Chef, da RTP. Silva já enfrentara dias difíceis e pareceu sempre aprender com os erros. O seu restaurante mais ambicioso, o Bocca, fechou pouco depois de abrir. E seguiram-se outros projectos efémeros. Em 2014, entrou por fim no Time Out Market da Ribeira (cujos proprietários são os mesmos dos desta revista), restaurante que mantém.

O Loco apareceu em Dezembro de 2015 como o sítio onde poderia por fim ser um autor com fundo de maneio para comprar um espaço nas traseiras da Basílica da Estrela, meter uma oliveira lá dentro e fazer uma cozinha high tech aberta para a sala, onde pudesse entregar em mão sardinha assada com melancia (e funciona mesmo) e fazer felizes as 20 reservas, e nunca mais de 20, que lhe entrassem pela porta.

Hoje, depreende-se, a sua preocupação é mimar essas 20 pessoas e conseguir uma energia nova na cozinha. É verdade que a retórica continua cheia de hipérboles; e que nem todos os 18 pratos que lá provei deslumbraram (mexilhão com maçã verde e aipo apaga o bivalve; o pastiche de bao com pasta de chouriço não sobrevive ao original pão com chouriço) ou é absolutamente novo. Mas no final o que importa é que não há mesmo, hoje em dia, outro jantar assim em Lisboa.

Olhando para os restaurantes do mesmo campeonato, em matéria de alta cozinha e de altos preços (100/150 euros), o Loco é neste momento, desde logo, o mais descontraído, dedicado e trabalhador. Essa é a sensação com que se sai e a impressão com que se entra.

Alexandre Silva começa por telefonar aos clientes no dia da reserva, dando as boas-vindas e tentando perceber das alergias e outros impedimentos. À chegada, a mesma hospitalidade, os empregados de sapatos desportivos cool com uma boa disposição convincente e educada. Não se impinge nada, só a conversa necessária para se decidir sobre o vinho e o menu – de 14 pratos (70€) ou de 18 (85€) – água com gás ou sem gás, tudo tranquilo.

Ajuda o espaço. Os cozinheiros trabalham à vista e a zona do fogão marca o ambiente: luzes teatrais, vapor de água escapulindo-se de um panelão como num laboratório louco. Na sala grandes janelas para a rua, madeiras escuras de linhas limpas, cadeiras confortáveis, painéis de acrílico pretos, a tal oliveira, modernidade e conforto.

Alexandre Silva raramente larga o seu posto junto à zona de passe. É ele quem fiscaliza os pratos e marca os ritmos, cientificamente cumpridos com uma cadência exemplar. De vez em quando vem à mesa, mas essa tarefa cabe quase sempre aos cozinheiros. As explicações são só o indispensável, os ingredientes principais, uma piada ocasional. A limpeza da mesa acontece quando tem de acontecer, depois de servidos os extraordinários pães caseiros feitos pelo pasteleiro Carlos Rodrigues.

De resto, a comida deste Loco produz muitos humms, e eu ainda não conheço outro método de avaliação de comida tão bom. O pastel de bacalhau, três ou quatro humms. O mesmo para as ovas de pregado com funcho. O carapau frito com alecrim e flor de sabugueiro um longuíssimo hummm. Dez humms para as ostras com água de flor de laranjeira e para o pato fumado, antecedido de um hummmíssimo pargo com caril tailandês e bolacha de spirulina. Nas sobremesas, um gelado fresco de pêra, camomila e miso. Hummm.

A refeição terminou com mignardises bem boas e com o pasteleiro Carlos Rodrigues a vir trazer uma prenda. Tudo porque havia feito um pedido extravagante a meio da refeição: que me guardassem parte do pão de cerveja e frutos secos que sobrara, uma parte ridiculamente pequena, para levar para casa. O pedido foi atendido na altura com discrição e simpatia. E eis que no final me é entregue, não a fatia ridiculamente pequena, mas um pão inteiro embrulhado como um rebuçado em papel vegetal.

É isto o amor. In Loco.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua dos Navegantes, 53
Lisboa
1200-830
Preço
Acima de 100€
Horário
Ter-Sáb 19.00-01.00
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