Portugal é uma nação de amantes de peixe. Somos um dos três países do mundo que mais come peixe per capita. Mas raramente o tratámos bem e com a importância que merece. Durante muito tempo, grelhava-se o peixe, cozia-se o marisco e pouco mais: os arrozes e a caldeirada. Diversidade, só mesmo nos pratos de bacalhau. Até a tradição de secar, curar ou salgar outros peixes se perdeu. E o peixe era quase sempre cozinhado de mais. Até na grelha, em que temos tanta experiência, o excesso era (e, muitas vezes, ainda é) frequente. Lao Tzu disse que havia uma semelhança entre governar uma nação e cozinhar peixe: muita complexidade estraga tudo... Devíamos prestar atenção a isto, na governação e na forma como cozinhamos o peixe. Fazer simples não é fazer menos, mas pode ser fazer melhor.
Nos últimos anos, no entanto, temos melhorado (falo da forma como tratamos o peixe, não sobre como nos governamos...). Talvez por influência da popularidade dos sushis e sashimis japoneses ou dos ceviches sul-americanos, os portugueses passaram a apreciar o peixe de outra forma. Não apenas se diversificaram as formas de o apresentar e comer como mudou a forma de o cozinhar em muitos locais. Acho que ainda não o tratamos com a qualidade e diversidade que o nosso mar oferece e merece (Ferran Adrià terá dito que o mar português oferece o melhor peixe do mundo). Nem com a sustentabilidade que o mundo exige. Ao contrário do ditado, já não há assim “tanto peixe no mar”... Ou melhor, há, mas apenas se soubermos valorizar diferentes espécimes e usar tudo o que o peixe nos oferece (entristece ver tão poucos cozinharem fígados de tamboril, uma iguaria que no Japão tratam como se fosse foie gras e que, antigamente, os nossos pescadores não desperdiçavam).
Tudo isto vai à lota e devia terminar no nosso prato. Esperemos lá chegar. Um primeiro passo positivo tem sido a multiplicação de novos restaurantes focados no peixe. Sobretudo se forem como este Lota D’Ávila: competentes no que oferecem. Não é uma marisqueira, nem um mero restaurante de grelha. É um pouco de tudo, sem ser extraordinário, mas com qualidade e, sobretudo, sabor. Duas salas e um corredor, com décors algo diferentes, mas todos de design moderno e acolhedor. Entre as salas, fica a cozinha, parcialmente à vista, e uma banca de peixe pouco diversificada (os clássicos dourada, robalo e posta de corvina, o inevitável camarão tigre – tão comum entre nós sem sequer vir do nosso mar – e um par de cantaris, que felizmente se começam a ver com mais frequência nos nossos restaurantes).
O menu reflecte o objectivo do restaurante: num espaço bonito e moderno, num contexto de bairro, oferecer, a preços moderados, sem grandes pretensões, mas apostando no sabor, uma variedade de pratos de peixe e marisco. Não é o luxo nem o produto exclusivo ou de excelência, ou a preparação criativa que procuram e oferecem, mas cumprem com o que pretendem ser. Começámos por um bom casco de sapateira, a que uns pickles davam um toque diferente, mas a que faltava alguma cremosidade (aqui podia-se navegar um pouco mais na maionese...). Seguiu-se um dos meus peixes favoritos: lírio. Aqui num ligeiro ceviche a que algumas amêndoas davam uma textura e contraste muito bons. Vieram também uns pastéis ou bolos de bacalhau (a doutrina divide-se) interessantes dentro da versão habitual nos restaurantes (em que o bacalhau não é verdadeiramente desfiado, como a receita original impõe e a boca agradeceria...). Também pedimos um “cachorro” de lavagante (o que os americanos designam de lobster roll), saboroso mas que, infelizmente, chegou praticamente frio à mesa. Bom (e muito recomendado) o arroz negro de lula e choco, feito no forno e a que uma maionese de pimentão acrescentou um punch extra de sabor. O arroz podia ter caramelizado ainda mais um pouco, mas a melhor prova de que nos satisfez é que não sobrou um bago.
Terminámos em grande com a tarte de queijo ao estilo basco que Hugo Candeias celebrizou no Ofício e que, felizmente, passa agora a estar também em exibição aqui. O melhor elogio que lhe posso fazer é que, tendo provado a famosa versão do La Vina, em Donostia (San Sebastián), comer esta tarte foi o reviver de uma experiência e não a mera recordação de uma memória distante. Só isto já era suficiente para voltar à Lota d’Ávila.