1. Lotus
    Francisco Romão Pereira
  2. Lotus
    Arlei Lima

Crítica

Lotus

5/5 estrelas
A urbanização Colinas do Cruzeiro, em Odivelas, já não é só um dormitório. Alfredo Lacerda foi lá conhecer um bastião da cozinha indiana.
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Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Odivelas já não é o que era. As Colinas do Cruzeiro são uma urbanização de classe média alta, com T2 a 300 mil euros e T3 a 400 mil. Tivesse ali o rio e podíamos confundir os seus prédios em tijoleira de oito andares com o edificado do Parque das Nações. 

Lembrar que a cidade fica a dez minutos de Lisboa e aqui vivem 150 mil pessoas, mais gente do que em Coimbra, e que essas 150 mil pessoas precisam de comer. É muita gente a comer, é muita gente a precisar de restaurantes.

Outra característica de Odivelas é ter uma comunidade emigrante importante (20 por cento da população), sendo que a indiana e muçulmana é particularmente significativa. Não admira que tenha sido aí que nasceu o primeiro restaurante de kebab do país ou que existam bons representantes da cozinha indostânica, como o clássico Natraj. 

Tudo isto para explicar porque é que as Colinas do Cruzeiro, para onde a cidade se expandiu, a oeste, são um pólo de restauração emergente. Como num food court, encontramos alinhados desde os Sushi Come a outras cadeias, mas também churrasqueiras, marisqueiras e algumas pérolas da chamada cozinha étnica. 

É neste contexto que aparece o Lotus, instalado na urbanização há um ano. O dono tem ascendência indiana, da província de Gujarat, mas isso já é muito distante. Na verdade fala um português perfeito, sendo que os avós e os pais nasceram em Moçambique. 

Quem sabe de cozinha, todavia, é um chef nepalês, descoberto por um familiar e sócio. “Um dia, antes de abrir, ele cozinhou em casa do meu primo, e eu nunca tinha comido nada tão bom. Disse-lhe logo: temos de o levar para o restaurante”, conta o jovem restaurador. 

Fizeram bem. O Lotus está uns furos acima de tudo o resto – e podemos aqui incluir a concorrência indiana de Lisboa, que na verdade nunca foi extraordinária. 

O espaço é limpo e bonito, madeiras claras, luzes e candeeiros, o folclore restrito praticamente à flor de lótus que dá nome à casa. A cozinha traz o receituário clássico, feito de raiz. 

Comecemos pela paratha. A paratha não é o pão nan inflado de fermento industrial, quase sempre borrachoso, que encontramos no restaurante indiano médio. A paratha é uma obra mais complexa do que o nan, que implica torcer a massa como um parafuso, barrá-la em ghee, aplainá-la de novo e só depois assá-la. 

Daqui resulta que os interstícios manteigosos acabam por fritar e outras faixas da massa ficam grelhadas, como uma pizza cheia de relevos. 

Ora, no Lotus comi a melhor paratha de que me lembro, magnificamente assada no tandoori, com as bordas despegando-se. De resto, também comi o melhor garlic nan, cheio de bolhas de fermentação natural e alho que não sabia a pasta de alho. E também foi dos melhores karahi de camarão, picante e fresco; ah, e o tarca dahl, incomparável. 

O tarca dahl merece atenção especial. Trata-se de um guisado de lentilhas, um dos grandes clássicos da cozinha vegetariana da Índia – do mundo. Não lhe chamemos caril, porque isso é metê-lo num alguidar de pratos diferentes, que deu jeito aos colonizadores ingleses do século XIX, mas já não fará sentido. 

Nos restaurantes indianos para português ver, o dahl não leva o tarca, sendo que o tarca é indispensável. E o que é o tarca? O tarca varia mas é basicamente um banho de manteiga frita aromatizada, normalmente com alho e cominhos, ou então com tomate. O tarca é colocado sobre as lentilhas mesmo no final, antes de irem para a mesa. O melhor tarca que provei era feito com uma manteiga ghee caseira, maravilhosa. 

Mas voltemos ao início. Há três tipos de chamuças, todas belíssimas, a começar na de frango, com a massa lisinha e estaladiça, o recheio galináceo cheio de cebolada e picante médio. Boa também a samosa de camarão e outra, que era na verdade um prato, a samosa chaat, com a dita, vegetariana, misturada numa grãozada, tudo temperado com ketchup (não caseiro) e iogurte (caseiro). 

Os laticínios, sob várias formas, são preparados na casa e aparecem em diversos momentos. Exemplos: o paneer pakora é uma língua de queijo de leite bovino em polme de ovo, frito, uma delícia; os lassis fazem uso de iogurte artesanal, aqui liquefeito, com notas enqueijadas (mais evidentes no lassi salgado do que no de manga), que primeiro se estranham e depois se entranham; o mesmo vale para a raita, iogurte condimentado, primo indiano do tzatziki grego, muito útil para contrabalançar o picante.

De resto, pediu-se a comida com nível “muito picante” e ela assim apareceu, sem descontos, que não estamos em território de turistas ocidentais. 

Atenção ainda às sobremesas, melhores do que a média. Há uma bebinca externa, “feita por uma senhora” (e não por uma fábrica de senhoras), há o típico kulfi, gelado em versões manga e pistáchio, há uma chamuça de chocolate com gelado; e uma tarte de pistáchio fofa e saborosa, sem excesso de doce. 

O serviço é simpático e os preços condizem. O menu de almoço custa 9,50€ e vale bem a pena, à carta, uma refeição farta não passará os 25 euros. Uma pechincha. Deliciosa. 

Detalhes

Endereço
Praceta José Maria Bomtempo
Odivelas
2675-651
Preço
12€-25€
Horário
Ter-Dom 12.00-15.00/ 19.00-23.00
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