Nesta taberna portuguesa modernizada em Campo de Ourique, a refeição quer-se de partilha. Há um balcão com oito lugares, para quem quer ter mais contacto com a cozinha, e mais de duas dezenas de lugares em mesas montadas com loiças em azul e branco, uma de cada nação, à antiga.
Crítica
Há muitas coisas de que gosto no LouQura. Gosto da esplanada com mesas e cadeiras de madeira, a fazer pandã com a caixilharia da fachada, sem adereços, nem chapéus de sol, nem plásticos. E também gosto do interior, com as paredes em pedra e a sala em L, correndo ao longo da cozinha aberta. Há bom gosto no LouQura.
Outra coisa de que gosto é do menu. Por regra, sou rápido a escolher. Mas, olhando para a carta, desta vez, apetece-me tudo. De entrada, vacilo entre os sonhos de polvo, alioli e cebolinho; os croquetes com mostarda de Dijon; e o camarão em beurre blanc e pão frito.
Também gosto que a manteiga seja fresca e as tostas do couvert finíssimas. E que o empregado me traga um croquete a mais, frito na hora, para além da dose (duas unidades). Gosto, sobretudo, da maionese caseira do croquete, sedosa, com uma acidez suave.
Nos principais, muitas mais coisas para gostar, 14 pratos de carne e peixe, qual deles o mais guloso. Alguns exemplos. Lula com pesto e puré de raiz de aipo. Tártaro de novilho com espuma de ovo e tostas finíssimas. Arroz negro de polvo. Bochecha de porco, bolo lêvedo e coentros.
Do que experimentei, num almoço domingueiro recente, posso atestar ainda o seguinte, com prova feita. Gosto muito da polenta que acompanha o rabo de boi e gosto razoavelmente do rabo de boi. Adorável, ainda, o arroz cremoso de cogumelos, parmesão e vinho do Porto; bem como, nas sobremesas, a tarte de queijo e leite condensado.
Gosto, também, que os preços sejam muito razoáveis. Éramos três e pagámos pouco mais de 20 euros por cabeça (sem nos esticarmos nas bebidas).
Visto assim, a ideia que dá é que foi tudo pensado, que há alguém que sabe o que faz. Esse alguém é Manel Perestrelo, dono do LouQura, porventura mais conhecido em Lisboa como o Moço dos Croissants.
A carreira de Perestrelo já teve um pouco de tudo. A avaliar pela sua página no LinkedIn, houve uma passagem pelo Gemelli; outra como colaborador de Heston Blumenthal nos seus projectos editoriais (TV, livros, revistas); outra no Cantinho do Avillez.
Em nenhum sítio Manel Perestrelo se demorou, a não ser quando criou os seus próprios projectos, a partir de 2015. O primeiro a dar nas vistas terá sido o Salmora, em Vilamoura, que ainda existe. Em 2019, por fim, surgiram em Lisboa, de uma assentada, o Boato, virado para o peixe, e este que agora nos ocupa.
Dado o contexto, vejamos agora aquilo de que menos gosto. Comecemos no nome. O nome tem uma história curiosa. O restaurante começou por se chamar Qura. Depois apareceu o Cura, no Ritz, e o Qura foi forçado a acrescentar o Lou. É chato que isso tenha acontecido, mas notemos que Qura é uma brincadeira só um pouco menos sem graça do que Taska.
De resto, sobre a substância. Não gosto que o primeiro prato tenha demorado 45 minutos a chegar. Não gosto de ver o serviço afogueado, atrás do balcão, um desgraçado de um subchef sozinho contra o mundo (segundo informação da sala, o chef estava de folga).
Não gosto que só haja vinhos a copo de gama baixa, a preço de gama alta.
Não gosto que o “famoso prego” do LouQura seja, afinal, um pão massudo com um pedaço de bife rijo. E não gosto da falta de atenção ao sal: o prego vinha insosso, o rabo de boi salgado. Por fim, também não gosto de Nespresso e sobretudo não gosto de pires que são anúncios a café num restaurante que se quer bonito e atento a detalhes.
Em síntese. Este LouQura tem valor. Está-se lá bem e come-se bem. Com meia dúzia de melhorias, podia ser mesmo muito bom. A ideia que dá é que falta consistência, cozinheiros na cozinha e orientação. Lamentavelmente, não é assim tão pouco.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.
Nota da Direcção
Aquando da visita de Alfredo Lacerda ao LouQura, o site do grupo Quase na Cidade, que detém o restaurante, tinha a informação de que o chef Manel Perestrelo lá trabalhava. Foi com base nessa informação, oficial, que o crítico da Time Out se baseou para escrever o seu artigo.
Direito de resposta de Manel Perestrelo
“À att. da Time Out e ao Alfredo Lacerda, que escreveu a crítica à qual me pronuncio em minha defesa.
Confesso que fiquei perplexo com a crítica que mencionava o meu nome com informações descatualizadas e erradas. Percebo também que o Grupo QNC não actualiza as suas informações no site do mesmo, apesar de já o ter exigido várias vezes, o que torna este tipo de acontecimentos mais prováveis de acontecerem.
Já não estou no Grupo QNC desde Setembro de 2021, nem em nenhum dos seus restaurantes Salmora, Qura ou Boato. O Moço dos Croissants é uma marca minha e que detenho na totalidade, mas o espaço de Campo de Ourique, que entretanto mudou de nome, já não é meu. Encontro-me neste momento a montar o meu restaurante que abrirá em breve, mas já não tenho qualquer ligação ao Grupo QNC.
É verdade que concebi e montei todos os restaurantes do Grupo QNC, nomeadamente o Qura, agora com um nome diferente LouQura. É também verdade que concebi todos os projectos e espaços de restaurantes para o Grupo QNC, nomeadamente o Qura. Defini a carta e o conceito do princípio ao fim e até a ideia de oferecer o 1o copo de Qura da parceria com o meu amigo Diogo Reis, dos vinhos da Quinta do Sanguinhal. A ideia de ter uma barra/balcão para poder conversar com os clientes e conseguir estar mais próximo deles, no meu primeiro restaurante em Lisboa. É lamentável que se aproveitem do meu nome e que continuem a promover o restaurante omitindo a minha saída.
Sei que não alteraram a carta desde a minha saída e que continuam a tentar replicar os meus pratos e receitas. Lamento a experiência desagradável que o Alfredo Lacerda teve, mas no fundo até a interpretei como um elogio, uma vez que os pratos que provou já não têm a minha mão há mais de seis meses. Garanto-lhe Alfredo, que o prego é fantástico e poderá comprová-lo no meu novo espaço, quando abrir. Lamento, e cito, ‘a ideia que dá é que falta consistência, cozinheiros na cozinha e orientação’. Penso que isto diz tudo e resume a má experiência que teve e explica bem o sucedido.
Sempre disponível para qualquer esclarecimento. Melhores cumprimentos, Manel Perestrelo."