A pergunta que mais faço na vida – a seguir a “já arrumaste o quarto, filho?” – é: qual o teu restaurante favorito?
Há dias, o dono da mercearia Late Night Himalaias, ao fundo da rua, respondeu-me: “Onde os nepaleses estão todos a ir é ao Love Lisbon. Bons momos”, disse Aadesh, um indivíduo pequeno e forte como um javali, que vende caril madras pela vizinhança ao fim-de-semana.
No dia seguinte, fiz-me à Baixa. O Love Lisbon fica no Centro Comercial Martim Moniz, no piso abaixo do restaurante Hua Ta Li (também conhecido como “aquele chinês com vista para o castelo”). Em tempos não muito longínquos, terá albergado um restaurante brasileiro. O nome, a decoração kitsch de luzes multicolores e a cerveja a metro ficaram desse tempo. Ou seja, não há nada de nepalês à vista, a não ser o clássico quadro da cordilheira mais alta do mundo, a um canto, ou o ecrã gigante onde rola o karaoke de êxitos pop do Nepal.
Era uma segunda-feira ao almoço, dia de trabalho. À medida que me aproximava da porta, subindo pelas escadas do centro comercial, a vozearia aumentava. Também se pode entrar pela porta directa para a rua, nas traseiras, mas aconselho a escalada até ao quarto piso.
No corredor semi-sombrio do edifício, encontrei uma noiva em sessão fotográfica. À chegada ao restaurante, dezenas de nepaleses celebrando a boda, fatos acetinados, uns sentados, outros de pé, abanando-se ao som da banda ao vivo, a tocar no palco instalado do lado oposto.
“Mas esta malta não trabalha?”, pensei.
Ao ver-me na entrada, a empregada acorreu. “Peço desculpa, não temos lugar para si. Estamos com um casamento.” Desalentado, bati em retirada. Mas regressei.
Desta vez não me iam apanhar na curva. Fiz a reserva com antecedência e cheguei antes da hora. Sexta-feira à noite. Na sala ampla, estava a mesma empregada que me enxotara. Mais ninguém. “Ainda vai encher, não?”, perguntei, já sentado, debicando uma chamuça de frango (caseira e com a curiosidade de a massa ter cominhos em grão, inteiros). “Não”, respondeu-me. “Os nossos dias mais fracos são a sexta e o sábado. Os nossos dias mais fortes são o domingo e a segunda-feira.”
Percebi então tudo. E envergonhei-me. Ao Love Lisbon vão praticamente só nepaleses. E os nepaleses têm uma vida complicada. Não os vemos, mas eles estão nas cozinhas dos restaurantes trendy da cidade, dia e noite. São eles quem faz as preparações e quem lava a loiça e quem fica até de madrugada para desengordurar o inox dos restaurantes de chef que enchem as páginas desta revista.
Só folgam quando os autóctones estão deprimidos, a iniciar a labuta. É aos domingos e segundas que celebram, dançam, bebem e recordam a música e a comida do seu país. O Love Lisbon está lá para eles. Nesses dias, o Love Lisbon é uma festa. Nos outros é um restaurante recomendável.
Aos almoços, há um menu de 10€ com direito a um tabuleiro indiano (desses redondos de alumínio) cheio de tacinhas, bebida e café. Pode escolher entre caril de borrego ou de frango e há sempre arroz basmati, papari, molhos picantes, sopa de lentilhas (dahl), estufado de batatas e verduras.
A carta fixa tem opções nepalesas e indianas. Como a cozinha e a alma do sítio são nepaleses, deixei de fora a Índia. E foi tudo bom ou muito bom. As asas de frango picantes comeram-se à mão, como snacks – excelentes. Os momos, os famosos dumplings nepaleses, são o prato forte da casa e foram dos melhores que experimentei em Lisboa. Na essência, são raviolis de farinha de trigo, com recheio de carne por dentro, podendo entrar na massa verduras, como espinafres, e havendo a alternativa vegetariana. Podia só comer isto e beber umas cervejas e estaria tudo bem, mas houve também chatpate, arroz tufado com ervilhas e especiarias.
No final, é obrigatório o clássico gelado de manga, aqui com o bónus de ter pistáchios intrometidos.
A vida é feita de muitos dias. E quantos de nós, quantas vezes, não chegámos ao domingo e nos questionámos: “Onde raio nesta cidade se dança Ed Sheeran tocado por uma banda pop nepalesa, enquanto se avia caril de borrego lavado com cerveja a rodos?” Agora, já sabemos.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.