Perante uma casca de sapateira, toda a a gente se torna caprichosa. O recheio nunca está perfeito. Ou tem maionese a mais ou o problema é a pimenta, ou tem cerveja a mais ou falta-lhe sapateira (acontece muito), ou está líquida ou está sólida. Para os humanos, não há uma casca de sapateira perfeita.
Ou antes, não havia.
Devo dizer o seguinte. Que me lembre, a sapateira recheada que comi neste Luminosa na semana passada foi a melhor de que me lembro. Foi tão boa tão boa que aos 20 minutos de jantar já me tinha esquecido do nome foleiro do restaurante. Assim que eu e a minha companheira levámos à boca o primeiro bocado de pão barrado com o recheio, percebemos que desta vez não ia haver reparos.
- Excelente!
- Caramba, está deliciosa. Nada de mais, nada de menos.
Fresca, com bocados de carne de sapateira grandes, o molho com amargos, acidez e um doce muito leve. Ficássemos por aqui e ficávamos bem. Mas não ficámos, não podíamos. Uma marisqueira está longe de ser uma casca de sapateira, sobretudo se tiver a história da Luminosa, nascida e crescida na Avenida da Liberdade e há uns anos transferida para a Almirante Reis. Na última encarnação, em Novembro de 2016, a casa foi comprada pelos donos do restaurante Esplanada Furnas, na Ericeira, o que dá garantias de peixe e marisco frescos.
E fresco estava tudo, nalguns casos demasiado. É que fresco é bom, gelado não.
Os camarões de Espinho, com que se abriu a refeição, tinham um aspecto magnífico, sal grosso por cima. Assim que lhes pusemos o dente percebemos que o frio excessivo dera cabo da carne e do sabor. Com a traineira de marisco aconteceu o mesmo. A embarcação mais pequena (55€, para duas pessoas ou três) vinha bem equipada com búzios, canilhas (espécie de búzios com espinhos), percebes, camarão de tamanho médio, a casca de sapateira e suas patas carnudas – quase tudo uns graus abaixo da temperatura ideal.
Outro problema foi o sal, frequentemente insuficiente. Comer marisco sem sal é como comer chocolate sem cacau. Sofreram com isso os camarões de Espinho e o camarão médio, sobretudo, mas também as canilhas.
Nas carnes, provou-se um prego do lombo (4,50€) e outro de carne de vaca Barrosã (9€) em bolo do caco. Nenhum dos pregos estava bem frito, faltando lume, sal e alho. Mas o pior foi a carne Barrosã ter sido batida como se fosse sola de sapato e ter acabado num farrapo insosso. Quanto ao bolo do caco era o pão insípido e seco que se vende por aí.
A terminar, comeu-se uma só sobremesa, vendida como bestseller da casa: a tarte de maçã com gelado de baunilha. De tarte tinha pouco, mas tinha uma maçã saborosa e estava morninha e soube bem (4€).
Aos almoços servem-se pratos de cozinha portuguesa, como o cozido ou os rissóis de peixe, e a célebre muamba de galinha. Há também sempre peixes de mar para grelhar, do pregado ao robalo. Em todo o caso, as traineiras de marisco são o prato forte, e são um bom negócio (ao contrário de tudo o resto, com preços quase sempre inflacionados).
Sobre o espaço, o restaurante está bem mais bonito, luminoso e confortável, e tem duas salas no piso de cima, uma delas para fumadores.
Dizer ainda que o serviço é simpático embora pouco conhecedor e que padece da síndrome então-está-tudo-bem. Por nove vezes os dois empregados que nos serviram perguntaram se estava tudo bem. Por oito vezes mentimos. A exceção, já se sabe qual é.
E vale a viagem .
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.