1. Malagueta
    Francisco Romão Pereira
  2. Malagueta
    Francisco Romão Pereira

Crítica

Malagueta

4/5 estrelas
Há um templo do entrecosto a 10 minutos de Lisboa, garante Alfredo Lacerda, que saiu de lá a lamber os dedos.
  • Restaurantes
  • Grande Lisboa
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

O meu amigo Viegas garantiu-me que algures entre Queijas e Barcarena encontraria as melhores costelas suínas de todo o universo. O meu amigo Viegas tem uma certa queda para a hipérbole, mas há dias fui lá averiguar. 

Estava tanto mais interessado quanto cozinho entrecosto assado em casa e, ao longo dos anos, tenho-me debatido com resultados instáveis. É fácil fazer um entrecosto satisfatório: bastam umas pedrinhas de sal e 90 minutos a 180 ºC, no forno. Mas um entrecosto perfeito requer experiência, sabedoria, atenção aos detalhes. 

Seria o Malagueta o zénite do entrecosto?  

Antes de me pôr no carro, pesquisei. Na primeira busca no Google, a foto da fachada mostrava um avançado de lona numa moradia suburbana, com a avaliação das “reviews” nos 3,9 pontos. 

Percebi o rating à chegada ao local. Ultrapassado o avançado, a entrada parecia uma gruta. O sítio estava escuro e frio, sensação aumentada pela negritude dos azulejos. Ao lado, outra sala, mais agradável: paredes forradas a madeira e quadros de moinhos holandeses, ambiente campestre, antigo e incoerente, um certo charme fajuto e original, como um idoso em fato de casamento no aniversário do neto. 

Dito isto, o espaço acaba por ficar na memória ou, então, é a comida que o eleva.

Falemos, pois, de comida. O menu é curto, mas tão importante quanto o que está na carta é o que está na vitrina, logo à entrada. De um lado, vêem-se morcelas e linguiças, do outro peixes e moluscos — tudo para ir à grelha. Podemos encontrar chocos frescos, robalos de mar (e sem ser de mar), e é comum haver ovas de pescada, uma maravilha. 

Quanto a carnes frescas, ao lado da vitrina fica a montra de frio, com peças penduradas em ganchos, como o pojadouro usado no bife à Malagueta. Já vão escasseando os restaurantes onde se penduram carnes (e peixes) — e é uma pena, porque é uma técnica de conservação e maturação que deixa tudo mais gostoso.

Antes de irmos ao entrecosto, falar ainda da carne da assadura de porco, petisco aqui servido como dose principal, em que, tradicionalmente, se usa o lombelo (diafragma) do porco. Vem em pequenos pedaços toscos, fritos na sua própria gordura, à alentejana, com coentros por cima. Uma gulodice. 

Por fim, o prato principal são dois, porque há entrecosto de vitela e de porco. Entrecosto de vitela é menos consensual do que o de porco, o primeiro mais rijo e com uma gordura mais intensa, uma espécie de ranço suave, também bom. O entrecosto de porco é mais tenro e suculento, com o tempero a infiltrar-se.

Que tempero?

Aqui entra o tesouro que dá nome à casa: o molho picante de malagueta. Pode-se pedir sem ser picante, também saboroso. Mas o picante da casa é suave e faz a diferença. Se já se tiver algum treino em capsaicina, deve pedir-se o entrecosto com picante e depois o picante à parte, do qual se acrescentam umas gotas no prato. 

Sugiro, contudo, que atente nos frascos de picante sobre as mesas. Nem todos são iguaizinhos. Pode haver uns de cor mais clara e outros mais escuros. Provei dos dois e recomendo os mais escuros, que são aqueles em que — segundo o autor do elixir —, as malaguetas terão tido uma fermentação e uma cura mais longas (primeiro em sal, depois em azeite e alho). O molho é caseiro, já se vê, e sem sinais de desvios, como o ranço — defeito muito comum em picantes à base de óleos.

A acompanhar o entrecosto vêm belos palitos de batata caseiros, fritos em óleo limpo. E deve-se pedir à parte a salada mista da casa. 

Nas sobremesas, estamos no reino da serradura. Há o “doce da casa”, que é uma serradura de baba de camelo, ou seja: leite condensado cozido com pó de bolacha Maria por cima; e há a “serradura” propriamente dita, que é leite condensado com camadas de serradura. Provou-se também a “Maravilhoso”, uma invenção feita de camadas de mousse, pudim e… pó de bolacha Maria. 

Quanto ao serviço, pode ser lento, pelo que se aconselha paciência e reserva atempada do entrecosto. Na sala, manda Jorge, um jovem simpático com calças skinny rebaixadas e ares de vocalista de banda de punk rock. Na grelha manda a sua mãe, mestre do fogo e do tempero. Em refeições mais movimentadas, como os sábados e domingos ao almoço, aparecem senhoras de pouca conversa, mas eficazes a dar uma mão na louça — que a freguesia é muita. 

Em síntese. Este Malagueta é um templo do entrecosto, com tudo o que o entrecosto deve ser. Bem sequinho e grelhado por fora, tenro sem se desfazer, gordo sem ser enjoativo, com batata frita em palito à travessa. Isto e a abrir uma salada, ovas grelhadas, azeitona britada à Algarvia, patés de sardinha da Manná para entreter, sobremesas clássicas para confortar — uma belíssima refeição por 17 euros. 

Tinha razão, o meu amigo Viegas!

Detalhes

Endereço
Calçada dos Moinhos 10
Queijas
Horário
Ter-Dom 09.00-23.00
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