1. Mamasan
    Duarte Drago
  2. Mamasan
    Duarte Drago
  3. Mamasan
    Fotografia: Duarte Drago

Crítica

Mamasan

4/5 estrelas
  • Restaurantes | Japonês
  • preço 2 de 4
  • Santos
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Este restaurante é japonês mas escusa de perguntar por peças de sushi. O Mamasan é um restaurante especializado em yakitori, um termo que se refere a comida em pequenos espetos, grelhados em carvão. No Japão, os restaurantes especializados em yakitori são habitualmente espaços pequenos, só com lugares ao balcão. Aqui há o balcão, com vista para a grelha a carvão, feita a medida em Portugal mas seguindo o modelo da mais tradicional grelha japonesa. O menu é pequeno e foca-se nas opções “na grelha”, com as espetadas com frango, cachaço de porco preto, camarão selvagem algarvio com lima e chili, ostras do Sado (6,50€) ou duas opções vegetarianas, couve coração e manteiga de chili ou beringela.

Crítica

Para perceber o encanto deste restaurante, é preciso afastar alguns preconceitos.
 As yakitori não têm de ser espetadas com molho teriyaki de supermercado; nem têm de ser feitos com peito de frango seco. Uma yakitori a sério, bem tostada por fora, tenra e húmida por dentro, é um dos grandes pratos da tradição japonesa do yakimono, a arte da grelha, uma coisa séria e deliciosa.

Andava com vontade de as comer desde que vi um episódio de Ugly Delicious, uma daquelas 500 séries de comida da Netflix. O chef David Chang aparecia de olhos aguados, abraçado a um humilde cozinheiro japonês. Emocionado, confessou que a espetada de frango que acabara de comer tinha sido das melhores coisas que já mordera – e David Chang já mordeu muita coisa.

As yakitori tradicionais usam frango, mas o termo designa também todo o tipo de espetadas japonesas feitas sobre carvão.
 As mais populares levam carne da coxa ou da perna do frango cortada em peças pequenas, dois centímetros no máximo. Isto permite que se cozinhe em menos tempo, com mais superfície grelhada e mais cobertura de molho. O molho do yakitori fica muito bom feito em casa. Basta juntar uma redução de soja, molho mirin, saké e rock sugar,
 o açúcar em pedra japonês que
 se encontra nos supermercados chineses do Martim Moniz. As espetadas devem ser imersas neste molho pouco antes de irem para a grelha e pouco depois de saírem da grelha.

O toque profissional que distingue as casas da especialidade está depois em criar uma tare, uma base de molho única. A mesma tare pode ser alimentada durante vários anos, qual massa mãe do pão. O Mamasan anuncia ter a sua própria tare e isso é bom.

Instalado em Santos há pouco mais de quatro meses, o restaurante tem personalidade própria.

Um dos espaços mais interessantes é o das casas de banho. Há duas, unissexo e forradas com posters de shunga. A shunga é uma espécie de Kamasutra nipónico com gueixas enroscadas em homens carecas de carrapito na nuca e cintos 
de lutador de sumo na anca
sem nada por baixo, tudo muito gráfico, os genitais aumentados.

Para além dos WC com bolinha, a sala é muito bonita, o tecto cheio de candeeiros de papel
de várias formas, paredes de madeira, bancos de madeira, mesas em mármore e um balcão com vista para o grelhador de yakitori. Em destaque, um néon cujo significado só descobri depois de consultar o Instagram do restaurante. Kuiadore significa arruinar-se com comida. Em fundo, boa música indie, a bater certo com os jovens empregados prá-frentex de barbas hipsters, tatuagens e voz roufenha de cigarros de enrolar.

Quanto à oferta culinária, a carta é curta e no jantar que lá fiz estava ainda mais curta, por falta de uma espetada de vazia maturada. Pena: ao que pude saber, o restaurante chegou 
a fazer uso de carne bovina Simmental, uma raça suíça de gabarito, aqui servida com 30 dias de maturação. Avancemos. No total estão inscritas na ementa oito opções a sair da grelha e mais quatro acompanhamentos, sendo que há coisas da grelha que são acompanhamentos.

Brilhou alto a tradicional yakitori neguima, apresentada como tendo só perna de frango, cubinhos da dita apertados em cebolinha crocante, cobertos por uma capa brilhante e gomosa
da tal tare. Vieram em dois lances, melhor o segundo, com a crosta mais queimada, o interior húmido, shunga, quase, quase mal passado, que é como deve ser.

Muito boas também as espetadinhas de almôndega de frango. Almôndega de frango soa a congelado pronto-a-comer de supermercado, mas a verdade 
é que estas tsukune, ovaladas, com a carne picada colada com farinha panko, estavam gulosas. Igualmente boas as espetadinhas de cachaço de porco preto e molho gyu-dare. O gyu-dare é específico para carne de bovino e parecido com a tare da yakitori, acrescentando-se especiarias e vinagre de arroz. Não senti nem umas nem o outro, na verdade,
e ainda assim soube bem — até porque cachaço, seja de porco ou de doninha é sempre satisfatório.

Para fechar a proteína, provou-se igualmente a espetada de camarão com manteiga e lima, que agradou, mas não tanto como as anteriores. O marisco é anunciado na carta como sendo algarvio e selvagem, mas pareceram-me antes camarões desses frescos à venda nos nossos mercados, a maioria produzidos em aquacultura boa da Galiza.

No segmento dos vegetais, chegou uma couve-coração
com molho de manteiga, que pecou por estar mais cozida do que assada. Melhor a clássica beringela com miso e sésamo, invenção genial da cozinha sino- japonesa. A acompanhar, arroz frito com alho e ovo, e ainda uns óptimos espinafres chineses com molho de sésamo e mirin.

Por esta altura, eu e os meus amigos estávamos já satisfeitos. Mas eis senão quando surge
 o empregado a dar tudo. Era
 um empregado teatral e tinha uma missão: fazer-nos pedir sobremesas, todas as sobremesas. Quando começou a explicar cada uma das três hipóteses
(todas fora da carta), a mesa ficou num silêncio atento como nessas consultas em que o obstetra se prepara para anunciar o sexo da criança. Havia um “magnífico” crème brûlée feito com um toque de whiskey japonês Nikka; uma “extraordinária” panacota com matcha; um bolo de chocolate de várias camadas, a base “crocante”. Escolhemos a panacota. Não estava ao nível da encenação, nem dos cinco euros que custou, mas ainda assim resultou satisfatória.

Uma referência, por fim, às bebidas. Só há dois vinhos e ambos estão fora da carta, um branco e um tinto, Flor do Côa Reserva, com o branco a começar nos 18 euros. O empregado justificou-se com
o facto de se procurar dirigir os clientes para as cervejas, os sakés e os chás, bebidas mais tradicionais nas casas de yakitori.

Outra referência aos proprietários. São dois jovens imigrados para Lisboa, 
com percursos sui generis. Conheceram-se na prestigiada escola de hotelaria de Lausanne, na Suíça. Um é do Dubai e tem licença de agente de futebol. O outro 
viveu em Singapura e Inglaterra e os seus negócios, de acordo com
o LinkedIn, passaram por coisas tão díspares como uma loja de bicicletas indianas no Soho, em Londres, e uma agência online de viagens personalizadas. Oxalá não se dispersem.

Em síntese. O Mamasan tem um ambiente descontraído, boa música, boa comida e bom preço. O serviço neste jantar – dia da semana a entrar nas férias, com pouca clientela – foi atento, simpático e conhecedor. Vale bem a visita já, mas no futuro há espaço para se arriscar mais no vasto receituário do yakimono. Para quando, por exemplo, as famosas espetadas de pele de frango?

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Calçada Marquês de Abrantes, 140
Santos
Lisboa
1200-656
Preço
15-25€
Horário
Ter-Sáb 19.00-00.00
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