Atenção tripulação, o vosso comandante Time Out informa que uma das mesas mais difíceis de marcar de Lisboa fica na freguesia da Venteira, concelho da Amadora. Chama-se Maria Azeitona, é um restaurante bonitinho e bem decorado com madeiras claras e cadeiras desirmanadas, fortíssimo nos pratos do dia, sempre portugueses, e a apostar várias fichas em petiscos, muitas vezes reinvenções de clássicos tradicionais – caso dos mexilhões com queijo da Ilha ou os ovos rotos com linguiça. Fuja ao trânsito da cidade e não se esqueça de marcar mesa.
Crítica:
Terça-feira de manhã. “Já estamos cheios”. Dois dias depois. “Para hoje, não temos mesa”. Ó diacho. E para amanhã? “Nem pensar. Para jantar sexta o melhor é marcar uma semana antes”. Quando é que volta a haver mesa, então? “Só segunda ao almoço”.
Sem olhar para a ficha, tentem lá adivinhar onde fica este restaurante. Chiado ou Príncipe Real? Errado. Alfama? Longe. Mouraria? Buuu. Venteira? Bingo!
Pois bem, um dos grandes fenómenos gastronómicos da Grande Lisboa acontece, precisamente, na Venteira, freguesia urbana da Amadora. Por estes dias, o Maria Azeitona será uma das cinco mesas da região onde é mais difícil conseguir mesa, feito tanto mais impressionante quanto o sítio está fora do circuito de esfomeados que pululam entre o Castelo e a Torre de Belém à boleia de tuk-tuks.
Razões do sucesso? Várias.
Comece-se por aquilo que o Maria Azeitona não é. Não é um restaurante de periferia tascoso, com um grandioso cozido à quarta e boa comida de travessa de alumínio. Não é um restaurante étnico gerido por uma família imigrante residente. Não é um sushi de salmão barato, a piscar
o olho a suburbanos que lêem a Happy.
Tudo isto podia ter sucesso na Venteira, mas o segredo do restaurante é outro e não tem nada de novo: segue o caminho do que se faz na capital do reino – só que em bom e barato.
Tal como os congéneres lisboetas, nota-se um dedo de decorador e outro de arquitecto e ainda nem entrámos. Os outros prédios são todos marquises empoeiradas, como bons prédios da Venteira, e depois surge uma fachada totalmente reconstruída mas discreta, do género das de bairros estrangeiros mimosos, fogacho de Notting Hill ou Le Marais.
Abre-se a porta e ouvimos o profissional do design declamar o caderno de intenções, “a busca de uma simbiose entre a sofisticação do balcão em mármore iluminado e as tradições locais evidenciadas nos painéis com fotos de estendais e de azulejos”. Não se está mal, há ainda prateleiras cheias de garrafas de vinho, cadeiras cada uma de sua família, nas colunas um chill out à la Gotan Project, ultrapassado mas discreto.
Quanto à carta, o conceito é também pouco original. Há dois pratos do dia ao almoço, seis pratos de carne (dois deles bifes), seis de peixe, e na página seguinte uma vintena de entradas e petiscos.
O que faz então a diferença? Primeiro, o cuidado com o produto. Os ovos rotos foram dos melhores que se comeram em Portugal, não apenas porque vinham com a batata frita devidamente empapada em ovo e salsa, mas porque a gordura era de uma óptima linguiça de porco preto de Barrancos. Outro exemplo. As pataniscas “à Lisbonense de um dos almoços” trazia um carolino de qualidade, marca Bom Sucesso, das lezírias ribatejanas. Acrescem um queijo fresco da histórica Tété, tiras de porco preto de Avis e carne de vaca de espécies consagradas, como a Charolesa e a Mirandesa.
Mas não é só matéria-prima. A cozinha sabe o que compra mas também sabe como cozinha. Um dos pratos mais intensos e complexos são os mexilhões com queijo da Ilha, bela adaptação de um clássico. Nunca vi bivalves tão grandes, carnudos e suculentos — tão melhores do que os espécimes raquíticos que andam por aí, supostamente galegos e tugas. Estes, apesar de virem da Nova Zelândia, pareciam ter sido apanhados nessa manhã e combinam na perfeição com o picante gordo do queijo açoriano.
As sobremesas também não falham. A crème brulée é imperdível, e há também uma tarte de maçã modernaça mas muito bem montada, a base de bolacha escura comprimida manualmente, por cima camadas de maçã e canela. Já as farófias, embora afamadas, estavam salgadas (isso mesmo) e não tão atmosféricas como gostaria.
Outra razão para ir à Venteira é o serviço: rápido, simpático, educado, e isto apesar dos 50 lugares da sala estarem sempre ocupados e de a fila de clientes sem marcação ser fatal como o daesh. E, agora, vamos às contas. Na Lisboa gentrificada dificilmente um jantar como o que fizemos custaria menos de 25 a 30euros (com um copo de vinho, embora haja escolhas muito competentes na garrafeira). Aqui, come-se por metade do preço e o parquímetro custa cêntimos. Ou seja. Se for o caso, meta-se no IC19, saia na Amadora e é sempre em frente até à Maria Azeitona. Fora das horas de ponta, demora menos do que se tiver de atravessar a Avenida da Liberdade.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.