É uma tradição bem portuguesa, esta de rumar à esplanada assim que os casacos começam a ficar para trás. Talvez até antes disso, porque neste jardim à beira-mar plantado tudo serve de desculpa para fazer fotossíntese. Com isto em mente, quisemos trazer-lhe a papinha toda, dizer-lhe onde é que a pode fazer sem passar fome e sede. A lista que se segue é um apanhado das últimas novidades e de outras que ainda não perderam o cheiro a novo. Tudo o que tem de fazer é sair, com todos os cuidados que os novos tempos impõem, consultar este guia e aproveitar estas 22 novas esplanadas em Lisboa.
São 550m2 de frente para o rio, no novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa, em Santa Apolónia, num projecto do arquitecto Carrilho da Graça. Todo envidraçado, só com paredes a separar a cozinha da sala. De um lado está o Zunzum Gastrobar, que abriu a 29 de Julho, com quatro meses de atraso, e uma loja de produtos portugueses. Do outro lado ficará o Marlene, o restaurante de fine dining homónimo que marca o regresso da chef com presença no Time Out Market à alta-cozinha – esse abrirá apenas em Outubro. Falámos com Marlene Vieira, cozinheira de mão cheia, sobre a grande aventura da sua vida.
2020 é o ano em que a tua empresa cresce exponencialmente, com um grande investimento e um grande projecto. Mas com uma pandemia pelo meio. Como é que isto se processou?
A nossa empresa já existe há seis anos. Teve um crescimento brutal em 2020 e as expectativas para o ano, ao início, eram igualmente brutais. O ano dos meus 40 anos, vamos abrir o Zunzum, o Marlene, num espaço novo. É um projecto muito ambicioso, muito dinheiro gasto, todo e mais algum. O que nos propúnhamos alcançar era algo grandioso e depois levámos com uma onda em cima, fomos ao fundo. Mas voltámos à tona e começámos a nadar para chegar a terra. Já chegámos, mas estamos numa ilha deserta. Estamos a renascer.
Que adaptações tiveste de fazer ao projecto inicial?
Não houve muitas. A carta, por exemplo, era um livro, era uma descoberta. E agora não temos esse material físico. Mas como este é um espaço desafogado, é só vantagens. As pessoas não querem voltar a sentir-se fechadas, tens uma sensação de luz.
E como foste gerindo as tuas expectativas e as de quem trabalha contigo?
Isso foi o mais difícil. Na primeira semana fugi, fui para o campo. Precisei de respirar fundo, olhar para o elefante à distância, para conseguir ver tudo. Fizemos tudo por etapas. Primeiro reorganizámo-nos – e teve de haver muita negociação, até por causa das rendas. Depois não podíamos ficar em casa. Somos uma empresa familiar, com custos a cair todos os dias. Tivemos de abrir o take-away, e para mim foi muito importante, foi a melhor forma de começar a desbloquear e ter um plano. Comecei sozinha, só com dois cozinheiros, e até eu entreguei pedidos ao domicílio. Voltei a falar com pessoas, com o meu staff, e comecei a ter ideias e a ganhar forças para transmitir à equipa.
Tiveste de reduzir o número de pessoas da equipa?
Sim. Nós tínhamos uma equipa para o Zunzum e outra para o restaurante de fine dining. Neste momento temos uma equipa para os dois. Temos um escanção que era para o fine dining e que neste momento está no Zunzum. Não quis abdicar dele pela grandiosidade que ele nos pode trazer em termos de vinhos [João Pichetti, que trabalhou no D.O.M., de Alex Atala]. A gestão dos recursos humanos foi o pior. Estás a lidar com pessoas, com famílias. Tive de fazer uma filtragem, fui ver quem tinha direito ao fundo desemprego. Pus tudo na balança. Fiquei com pessoas com menos currículo, menos técnica, mas que não iam ter direito a nenhum subsídio. Nós no Time Out Market, por exemplo, tínhamos staff a mais, porque servíamos cerca de 1000 pessoas por dia e agora servimos perto de 200. Fiz contas, tivemos de ver como nos aguentar seis meses sem facturar. Fui a bancos, vi com os senhorios. É uma parte que eu domino, sou muito prática, não tenho vergonha de falar. É dinheiro. Gerir dinheiro vai ser sempre muito mais fácil do que gerir pessoas, não há sentimentos à mistura.
Que balanço fazes da reabertura do Time Out Market? É este o momento de os lisboetas redescobrirem o Mercado?
Estamos abertos há praticamente um mês. O Mercado tem crescido todos os dias, mas a primeira semana foi assustadora. Ainda há muitas pessoas em teletrabalho fora de Lisboa, estamos no período de férias. Não há turistas porque não os deixam vir. Mas os lisboetas vão redescobrir, isto é óptimo para quem nunca teve oportunidade de viver a cidade, para quem não suportava estar em filas com turistas. No Time Out Market temos realmente alguns dos melhores debaixo do mesmo tecto, não dá para comer mal ali, é um sítio para famílias e é seguríssimo. Podes dar pizza aos miúdos e vais comer a um chef. Os lisboetas têm de tirar proveito disto.
Qual a grande diferença deste restaurante em relação ao Panorâmico e mesmo à cozinha que fazes no Mercado?
Eu sou uma pessoa que se adapta muito ao sítio onde está. No Mercado da Ribeira, quando abriu, propus-me a um menu que rapidamente percebi que tinha de mudar, senão não tinha clientes. Mudei e cresci. O Panorâmico, em Oeiras, sabia que não ia ser o espaço onde ia representar a minha cozinha no seu expoente máximo, mas não queria estar afastada de um restaurante, não queria ficar só com um food court. Mas não podia ter um restaurante grande: tinha a minha filha pequenina e o meu marido [o chef João Sá, sócio] tinha o projecto do SÁLA. Fiz aquilo à medida do que era possível. Mas o bichinho de ter um restaurante com as minhas medidas acordou. O Zunzum é uma vertente do que gosto de fazer em restauração, mas não é suficiente e por isso é que existirá um fine dining, o restaurante Marlene. São os meus dois mundos. Aqui fica o melhor dos dois mundos. É um recomeço.
Tens uma ligação forte com a doçaria e aqui terás um bar de sobremesas.
Sim, por isso é que digo que este é o meu pequeno mundo. Mas o bar de sobremesas foi uma das coisas a que demos uma volta para começar. Isto é tudo muito incerto agora ao início. Optámos por fazer uma pequena amostra do que poderá vir a ser o bar de sobremesas. Agora temos uma carta de sobremesas normal, ao invés do menu de degustação. Era muito arriscado, muita informação. Neste momento o cliente chega aqui e encontra uma carta, com comida, minipratos. A ideia é virem e comerem cinco, seis pratos. E as sobremesas podem partilhar também. Isto é uma pequena amostra do que poderá vir a ser. Acho que há muitas pessoas que ainda não se sentem seguras para estar ao balcão. Mas se chegar cá um cliente e quiser provar um menu só de sobremesas, eu preparo na hora.
Estás numa zona muito turística e terias cá muitos estrangeiros se o tempo fosse outro. Tiveste de ter uma abordagem de comunicação diferente para chamar os lisboetas?
Isto foi pensado para os dois públicos. Temos a loja, com produtos seleccionados por mim e que representam o nosso país no seu melhor, desde o sal do Algarve, o sal de Aveiro, azeite
e vinagre bons. Essa é muito para os turistas, mas o restaurante é para portugueses, sempre foi. O Lux foi a nossa inspiração. Sabemos quem frequenta o Lux e queremos que as pessoas que vão lá, que agora não vão mas eventualmente irão, possam vir aqui ouvir música, começar a noite com coisas leves e boas, e depois ir para o pezinho de dança. Aos fins-de-semana íamos ter música até às 02.00 da manhã. Os turistas eram o complemento – e não o contrário.
Como vês o futuro da gastronomia nacional?
Acho que vai haver uma selecção natural. Havia muitos restaurantes, muita gente a abrir espaços pela oportunidade. Era umboom. Mas eram pessoas que não tinham nada a ver com restauração, era um descontraído abandalhado. Dava para todos, mas agora já não dá. Vai ficar quem gosta, que vai lutar com o tudo o que tem e não tem para se manter de pé. Os fine dinings, por exemplo, dão provas de que se vão manter vivos e fortes. Agora as pessoas vão dar valor às coisas, não é só sair por sair. E o cliente só vai ter a ganhar com isso.