Quando vemos chineses num restaurante chinês isso é bom. Mas quando vemos indianos num restaurante indiano é porque, muito provavelmente, estamos no melhor restaurante indiano de Lisboa.
Foi isso que aconteceu no Masala Kraft, com o plus de um dos comensais estar a comer com a mão, outro sinal de autenticidade. Comer com as mãos é algo que vejo na Rua do Benformoso, nas mesas bengalis do Martim Moniz, mas em Alvalade foi uma estreia.
De resto, tudo o que aqui provei lembrava-me outra casa, elogiada há uns meses nesta rubrica. O Lotus, em Odivelas, foi o primeiro indiano a quem dei 5 estrelas, em dez anos, e a comida deste Masala era em tudo idêntica.
Comuniquei essa sensação à empregada, que logo confirmou a paternidade. “Somos donos do Lotus”.
Lembrando o que se disse na crítica do restaurante odivelense, a família dos proprietários é originária da província de Gujarat, mas as gerações dos avós e dos pais já cresceram em Moçambique, de onde migraram.
Interessa também dizer que o chef é nepalês e, aparentemente, um craque: “Um dia, antes de abrir, ele cozinhou em casa do meu primo, e eu nunca tinha comido nada tão bom. Disse-lhe logo: temos de o levar para o restaurante”, contou-me um dos donos.
O seu talento vê-se logo na pakora, um misto de bolinhos fritos de legumes (couve flor, cebola roxa, curgete), paneer (queijo) e frango, com polme de farinha de grão. Depois, o nan de alho vem inflado, sem ser borrachoso, e leva alho picado verdadeiro.
Quanto às chamuças são do mesmo fornecedor do Lotus, dessas grandes, com a massa estaladiça como vidro e recheio de frango bem adubado de cebola e picante médio.
Outra coisa importante no Masala é que não há lugar a descontos na capsaicina para ocidental-copinho-de-leite. Pediu-se tudo picante e tudo picante veio: duas garfadas no frango jalfrezi e começaram a aparecer umas gotículas abaixo das pálpebras, boas para empurrar com uma cerveja Cobra, e o espírito logo se arrebitou.
O jalfrezi é uma guisado com pimento, cebola e gengibre, tudo fresco, sem pastas de frasco. O mesmo acontece com outros pratos do menu, menos comuns nas cartas dos restaurantes indianos de Lisboa.
Aqui há raita, uma espécie de tzatziki indiano, especiado com pó de cominhos, bom para acalmar o picante. Mas também se come mandioca cozida, salteada com alho e especiarias. E chana masala, um caril de grão com quiabos fritos.
Por falar em masala, a palavra que dá nome ao restaurante, ela já nos diz que o restaurante não usa o caril indiscriminadamente. Masala é uma das dezenas de misturas de especiarias a que os ingleses, numa simplificação culinária, chamaram curry (caril), como se fosse tudo a mesma molhanga picante com açafrão.
Por fim, as sobremesas são boas – incluindo o cheesecake de pistáchio –, mas eu nunca deixaria de lado a bebinca, que é um portento goês de arquitectura, alta pastelaria do Indostão, feita camada a camada, perfumada como um bazar do Cairo, fofa e suave como um colchão emma.
No final da refeição no Masala, aconteceu uma coisa cada vez mais rara nos restaurantes lisboetas. Saímos felizes e leves e demos uma nota de 20€ cada um. Não comemos mais ou menos, comemos muito bem. Por 20€.
O único problema do restaurante é mesmo o espaço. O sítio é frio, desconfortável, muita pedra, poucos recantos e uma luz sem aconchego. Era tirar a iluminação do tecto e pôr uns candeeiros e uns abat-jours, dar uma volta na disposição das mesas – e este Masala seria perfeito.
Serviço impecável, mesmo que uma das empregadas só falasse inglês, que era um bom inglês.