Andava há muito para fazer esta prova: mostrar aos meus filhos adolescentes que o salmão que eles comem enrolado em arroz com queijo creme nos buffets chineses da cidade não é sushi. Fiz-lhes muitas vezes a conversa. Sushi é algo delicado, complexo, elegante. É preciso saber do melhor peixe, da época dele, do corte perfeito, da temperatura. É preciso saber do arroz. A tudo isso eles respondiam com a arma do costume: “Pai, és um snob preconceituoso. Devias provar os rolinhos com maionese do Yokohama.”
Eis então o momento da verdade. Antes de fazer o pedido, fui ao balcão olhar os peixes. Tudo com excelente aspecto. Lombos brilhantes e gordos. Na ponta, um enorme pedaço de chu-toro de atum rabilho, ligeiramente marmoreado. “Este é que os vai convencer.”
O processo foi gradual. Primeiro, veio o hamachi de lírio. Os miúdos rejubilaram logo com as lâminas marinadas em molho ponzu, yuzu e óleo de trufa – clássico guloso que o chef Habner Gomes trouxe do Hikidashi, restaurante de Campo de Ourique onde esteve antes de aqui residir.
Depois, subiu-se de nível para um sashimi clássico: atum, dourada, pregado e salmão. Peixes fresquíssimos, cortados na perfeição. “O pregado é muito bom”, disse a mais velha. “Este salmão não tem nada a ver”, deliciou-se o mais novo.
Por fim, a pièce de résistance, a mais notável proteína crua que um humano pode levar à boca. A maior bomba de umami inventada pelos japoneses. Se os garotos ficassem indiferentes aos niguiri de chu-toro teria de os deserdar.
Mantive-me em silêncio, sem preleções. Deixei o empregado de mesa falar e ele falou muito bem – como aliás aconteceu com todos os empregados, nas duas refeições que aqui fiz. As peças de chu-toro cobriam o arroz, no topo só um toque de raiz de wasabi fresca.
Comi o meu pedaço de uma vez. E fiquei a olhá-los, a boca salivando de prazer. “Isto foi o melhor sushi que alguma vez comi”, atirou o rapaz, olhos esbugalhados de excitação. “Mesmo!”, confirmou a irmã.
Arroz notável, temperatura do peixe perfeita, gordura límpida a casar com a acidez fresca e picante do wasabi.
Por tudo isto, o Mattë já tinha um lugar no meu coração. Mas continuou a marcar pontos, apesar das minhas desconfianças iniciais. Antes de lá pôr os pés, desconfiava do conceito – balcão de sushi e balcão de carnes maturadas; desconfiava das influencers que lá posavam para as redes sociais; e desconfiava do estilo posh a piscar o olho a milionários e wannabes.
Restaurantes com vasos a ladear a porta da entrada, entrando pela calçada, costumam ser maus. Se a isso juntarmos uma montra tomada por uma marca de champanhe francês, com garrafas do tamanho da taça da Liga dos Campeões, e um interior forrado a dourado mate, temos um Mercedes tuning com cozinha e motorista.
Nada que apague as virtudes da casa e de quem lá cozinha e serve, gente nova, capaz, motivada e simpática.
Numa segunda visita ao jantar, pude confirmar que a cozinha dos quentes é igualmente boa, com Maurício Varela aos comandos. Croquete de rabo de boi com maionese de pimentos fumados; caril laksa de camarão de Singapura; codorniz recheada com foie e cogumelos; e uma presa de porco de raça alentejana de tempero asiático a dar dez a zero à fraldinha de Angus.
Nas sobremesas, destaque para os mochi da Niji, uma parceria recente. Há vários recheios, todos com a capa de arroz finíssima.
Em síntese. Não pôr de lado um restaurante só porque é forrado a dourado mate. Este tem isso mas conseguiu uma proeza histórica. Foi aqui que os meus filhos aprenderam o encanto do sushi. Foi aqui que se tornaram snobs do chu-toro.
A crítica de Alfredo Lacerda foi publicada a 30/08/2021
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