Foi um galego que abriu o restaurante, em frente ao célebre animatógrafo do Rossio, numa altura em que ainda havia carroças a passar, em 1944. Há 14 anos que está nas mãos de David Castro, mas os bons pratos e petiscos desta casa são obra da mulher, Fátima. O ambiente de tasca está lá todo, desde o balcão de alumínio aos garrafões pendurados na parede – só já não tem pata de presunto suspensa porque a ASAE não deixa. Serve refeições completas a toda a hora mas também umas moelas “cinco estrelas” ou pataniscas ao balcão
Crítica
Na parede há três quadros que me chamam a atenção. O primeiro, de frente para quem entra, anuncia o lema da casa, “higiene, honestidade e rapidez”. O segundo, à esquerda da porta, é a “Rapariga com brinco de pérola”, de Vermeer. O terceiro, mais à esquerda ainda, mostra o pequeno Jaime quando tinha uns 7 anos, a cuidar das vacas no lugar de Lamamã, numa imagem que anuncia as Festas da Vila de Paredes de Coura de 2007. Acredito que todos eles, literalmente ou não, dizem alguma coisa sobre a Merendinha. Explico. O primeiro declara três princípios que não se devem dar por garantidos em mesas de almoço e que, tanto quanto a minha experiência permite afiançar, são escrupulosamente cumpridos na casa. O segundo, que suponho não seja o original, evoca, por sugestão erudita e mais ou menos pedante deste vosso amigo, a pintura de género holandesa do século XVIII, sempre sóbria e comprometida com a descrição de cenas da vida diária, de gente dedicada aos seus ofícios e afazeres, e isso de algum modo casa na perfeição com a cozinha empenhadamente simples desta casa, o sabor das moelas e o tinto em jarrinho de loiça. O terceiro denuncia a geografia dos donos e de muito do que aqui se come, tudo vindo lá da ponta do Minho. Mas diz também sobre mim, o meu gosto por minudências e miudezas, e delicia-me saber mais sobre aquele quadro do que os donos, que não fazem ideia de quem seja o guardador de vacas, o Jaiminho que hoje será homem dos seus 18 anos.
A casa foi fundada em 1944 por um galego, há 14 que está nas mãos de David Castro – à frente do balcão – e da mulher Fátima – abençoadamente à frente da cozinha –, e a minha primeira experiência datará dessa altura. Aconselho a quinta-feira, dia mundial do cozido, que a Merendinha serve em doses milagrosas de 7,5€. Das carnes às couves, quase tudo neste Portuguese stew que o empregado se esforça por explicar aos turistas é de uma qualidade fora deste preçário. Não fosse a farinheira banal e o arroz que lamentei não ter cozido na água das carnes e acho que me tinha comovido seriamente. À sexta, dia mundial do bacalhau com grão, estive perto de sentir o mesmo (9,5 €). Em todos os outros dias, o tempero das pataniscas com arroz de feijão (7€), altas e fofas, evangelizaram este vosso amigo, militante das finas e estaladiças. E as iscas de vitela (também há de porco), fritas (também podiam ser grelhadas), com batata cozida a sério (podiam ser fritas, mas não era a mesma coisa), já por duas vezes me deixaram no mesmo estado por 7,5€: a suspirar e de olhos postos no quadro holandês onde imagino sempre a Scarlett Johansson.
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