Quando espetei o nariz na vitrine, decidi complicar-me a vida e escolhi um clássico: como é que um bolo de chocolate ainda nos pode surpreender? Posso responder tudo? O divino rectangulozinho constrói-se nasobreposição de três camadas que conseguimos, depois do estalo de alegria, ir decompondo: uma base de massa densa, de um chocolate fundo; depois um creme-veludo-puro e, no topo, uma areia escura intensíssima, misturada com – imaginem o meu êxtase – cristais de sal. Tudo isto, junto na boca, implode até nos ocupar o âmago da alma.
A outra escolha foi uma tarte de framboesa, de massa muitíssimo crocante que se desfaz em perfeição quando a trincamos, logo coberta por uma finíssima geleia de framboesa, que recebe um creme de mascarpone, cujo sabor da gordura do leite dança na boca com o ácido das muitas framboesas que o cobrem. Como se não estivesse já tudo inacreditavelmente delicioso, as frutinhas são cobertas por um pó de framboesas, ainda mais ácido, quase salgado, e o crocante da massa é reforçado por um crumble que se esconde por entre as framboesas.
E por fim, o babá, uma esponja bêbada, coberta por uma pequena porção de creme de chocolate e logo um chantilly fresquíssimo. E sabem aqueles apontamentos decorativos que parecem meras firulas? Também os tínhamos, finíssimos caracóis de raspa de laranja e pequeninas folhas de tomilho, criando um movimento no palato complexo e necessário, de refracção e arredondamento.
Nada nos doces de Ana Raminhos acontece por acaso, em excesso ou desnecessariamente. É um ballet. Tudo fresco, tudo exímio, tudo de louvar.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.