O novo restaurante chinês do momento tem à frente um chef premiado. Alfredo Lacerda é seu fã incondicional, e só não lhe dá o Visto Gold porque o serviço é demorado (e esta coluna é incorruptível).
Conheço Mr. Lu muito antes de saber que ele era Mr. Lu. Cruzámo-nos várias vezes no seu pequeno apartamento da Mouraria, a funcionar como restaurante clandestino. Durante longos meses ele cozinhou aí para uma horda heterogénea que misturava estudantes Erasmus e artistas enfadados com o Cais do Sodré cor-de-rosa. Era o meu chinês favorito em Lisboa, e não por causa do apelo da ilegalidade, mas por causa da comida. Por causa de Mr. Lu.
Quando os pedidos abrandavam, o chef saía da cozinha, cigarro no canto da boca e sentava-se numa das mesas, indolente, a pose de um pintor a meditar entre duas pinceladas. Nada a ver com as máquinas de fazer comida que costumam ser os cozinheiros chineses. Mr. Lu, um cinquentão, era outra coisa. Era um sábio, um artista.
A sua mulher, que chefiava a sala, deixava-o no seu ócio. Também ela escapava ao padrão. Ora estava tranquilamente a rechear raviolis guo tie (carne de porco, cebolinho, gengibre – uma maravilha) no hall, ora cirandava de mesa em mesa, atrás do prejuízo, afogueada e sorridente. Havia pratos que faltavam, outros que se trocavam, mas ela insistia numa simpatia reconciliadora e as pessoas voltavam, e as pessoas faziam fila pelas escadas do prédio abaixo, e as pessoas retribuíam o sorriso.
Sem grande surpresa, há uns meses, o casal decidiu arriscar-se na restauração a sério. Algumas coisas mudaram. Mr. Lu deixou o recolhimento da cozinha exígua na Mouraria e saltou para a montra. Nos vidros do seu novo restaurante – atrás da Portugália, onde antes funcionou o também chinês Tian Yi Jiao –, é ele quem aparece numa fotografia enorme, com menos uns 20 anos de idade e uma taça na mão. Por baixo lê-se: “Chef Premiado com 35 anos de Experiência”. Mr. Lu tornou-se numa estrela.
Também o espaço cresceu, e com isso o número de lugares, e com isso os clientes – talvez 50 por cento chineses (Visto Bronze), 50 por cento portugueses.
Já a carta manteve-se praticamente igual. Há alguns clássicos de Sichuan e muitas influências de Shandong, no nordeste da China, de onde vêm os Lu. A carne de porco picante (6,80€) continua irrepreensível, tiras de entremeada cozidas e depois fritas a alta temperatura no wok com alho francês, pimento e malagueta. Outros favoritos: os camarões – de bom tamanho, descascados – com amendoins (7,50€); os cogumelos com legumes salteados (shitake com couve chinesa, 5,50€); as pernas de rã, ambas fritas com polme (8,50€); o peixe agridoce (o prato mais afamado, uma demonstração primorosa de técnica, o peixe parecendo suspenso no ar, como uma escultura, 12€), a beringela à moda do peixe (caramelizada, num molho de pasta de feijão com malagueta e gengibre, 5,50€), a sopa de tomate (versão para quatro pessoas, 4,50€); o arroz xau xau, aqui praticamente só com couve, muito saboroso (1,20€); e a batata doce frita (tipo fá si, 4,90€).
De resto, a maior novidade são as chuang (5€), pequenas espetadas de carne, marisco ou legumes, que se comem nas ruas da China. São temperadas com uma mistura de especiarias e têm grande sucesso entre os clientes chineses. Muito boas as de asinhas de frango, banais as de camarão.
O problema do restaurante tem sido mesmo o serviço. Ainda este sábado foi o caos. Cheguei cedo e ainda me safei. Mas às 21.00 a sala encheu e a coisa descambou: gente à espera durante mais de meia hora, pedidos esquecidos, reclamações.
Dito isto, não é caso para desmobilizar. A comida merece o esforço. Vá fora das horas de ponta e aos dias de semana. Ou então tenha paciência. Adopte o espírito zen de Mr. Lu. Ponha os olhos no cozinheiro chinês mais cool de Lisboa.