Ao telefone, a rapariga diz-me que só há mesa para o turno das 23.00. “Isso é tarde”, faço notar. “Sim, mas venha pelas 22.00. Pode subir ao bar e provar um dos nossos cocktails enquanto espera pelos seus convidados.” Contraponho: “E se não me apetecer cocktails?” Ela não vacila: “Vai com certeza querer provar o nosso shoshu”.
Um dos grandes aborrecimentos da restauração moderna é este. O cocktail é a nova entradinha, o novo queijinho, o novo pratinho de presunto. Não há restaurante sofisticado que não impinja cocktails às pessoas. Da tasca chique ao Michelin tudo quer ter o seu barman (sempre um artista notável e premiado), a sua bebida “especial da casa” e o seu empregado devidamente formado em sacar 10 euros por 200 mililitros de uma mistura colorida.
Ora, as casas de Kiko Martins fazem isto muito bem.
Chegamos a O Asiático, subimos, o barman vem ter connosco de auricular no ouvido (há mais pessoas com auriculares no ouvido, do inefável porteiro ao inefável empregado que ciranda entre mesas com ar de segurança). O barman não mostra uma carta, não dá hipóteses de escolha. “Têm de provar o nosso shoshu, que leva um destilado chinês de blábláblá e blábláblá de cereja.” Oh, o exotismo oriental! Oh, a doçura! Oh, a fruta da época! “São dois, por favor.”
Não se fala em preço, parece mal. Mas daí a duas horas o valor há-de aparecer na conta e, invariavelmente, o contabilista da mesa irá lançar o escândalo, de papelinho na mão – “Sabem quanto é que custaram os cocktails?” – e toda a gente ficará indignada e toda a gente haverá de reincidir no próximo restaurante moderno e indignar-se novamente.
É equilibrado e fresco o shoshu, que terminamos já cá em baixo, na sala de comidas, numa transferência impecavelmente gerida pelo pessoal de auricular. O espaço é muito bonito, com bancas de finalização de pratos à vista, madeiras escuras, candeeiros dedicados, decoração limpa mas sólida e confortável.
Serviço rápido, eficaz, com um empregado desconcertante mas conhecedor, uma pessoa de uma honestidade a toda a prova, uma pessoa que não podia vender cocktails. “Ora, vocês são quatro... não precisam de mais de 6 ou 7 pratos”. A carta é curta, dividida em frios e quentes. Primeiro o couvert, cobrado individualmente. A já conhecida manteiga de kimchi com o já conhecido flatbread (do restaurante Poke, também de Kiko), ambos muito bons, gema curada com gel de soja e excelentes paparis.
Nos pratos, vêm primeiro os noodles vietnamitas, com troços de lavagante, gamba, lula e noodles de arroz finíssimos com papaia verde (o novo ouro do oriente). Segue-se a mesa chinesa, “uma revisitação do pato à Pequim” mas com o porco como protagonista: pernil fumado, entremeada, panquecas, tiras de pepino agridoce, para condimentar ketchup de ameixa (o molho hoisin chinês) ou um molho de peixe vietnamita. Aterra entretanto o tataki de espadarte envolto num manto de sementes de sésamo, o peixe sem expressão, farinhento. Muito bom o rosbife com brócolos e cogumelos, porventura o melhor da noite. A reinvenção da sopa clássica tailandesa tom yum, por sua vez, tem a virtude de estar mesmo picante, e de ser aromática, mas peca por vir salgada e por as guiosas estarem longe dos melhores espécimes das casas japonesas da especialidade. Por fim, o yakitori de polvo agridoce é um tentáculo morninho, fumado, banal, com uns bons acompanhamentos, onde se destaca o puré de castanhas.
A terminar, lugar ainda para uma sobremesa, o outro ponto alto da refeição: caril doce, com bolo de coco, gel de manga picante, líchias, gelado de iogurte e creme de caril.
Concluindo. É difícil avaliar O Asiático. Não há nada que seja mau, mas também não há nada que seja incrível. E isto deve doer a Kiko Martins. Porque ao contrário de outros asiáticos modernos que apareceram na cidade, este é mais ambicioso e até mais sério na escolha do produto. Acontece que, no final, temos uma tentativa de alta cozinha de base oriental que fica a meio caminho. Nem tem a autenticidade da cozinha asiática verdadeira, nem tem a depuração e o arrojo experimental de um restaurante de vanguarda. A isto, soma-se uma factura pesadota. O jantar acabou de forma previsível. “Sabem quanto é que custaram os cocktails?”, atirou, num espanto de horror, o meu amigo.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.