“Hoje vou ao O Maravilhas.” A frase não soa bem aos falantes de português, mas a ideia soará sempre bem aos conhecedores da casa. O problema de baptizar um lugar com um artigo definido é esta indefinição tramada em que nos deixa perante a língua. Na maior parte das vezes, a coisa resolve-se comendo a vogal — “hoje almoço n’O Maravilhas”; noutras resolve-se decidindo comer a língua, que se serve à quinta-feira, anunciando simplesmente “vou ali ó Maravilhas”, sem perder mais tempo com conversa palerma. Ora eu, depois de aqui voltar umas largas dezenas de vezes, tenho a declarar o seguinte: o “O Maravilhas” é um dos melhores restaurantes desta cidade, sempre que o critério de avaliação for a relação honesta qualidade/preço. Nesse campeonato, o nome da casa não gagueja.
A ementa da Dona Ermelinda, que vai para 35 anos a tomar conta desta cozinha, tem dias fixos mas não tem dias fracos, e só cobre os dias úteis. Quinta-feira, por exemplo, é um dia feliz com língua de vitela estufada (7,50€), que nas minhas repetidas expedições a Alcântara chegou sempre tenra mas firme, levemente gomosa, num guisado apuradinho entre o ácido de tomate e o doce da cenoura (acompanha um puré de batata feito com tubérculos verdadeiros e travo discreto de noz moscada). À quinta, a felicidade também chega fatiada em iscas de porco, que sendo altas para as minhas preferências me convenceram pela qualidade do fígado, o tempero doseado de louro, alho e vinho branco e a aquela fritura branda que mantém a glândula do bicho na consistência certa.
Depois há uma belíssima feijoada à transmontana – as couves envolvidas no feijão sem perder o viço – que coloco sem hesitações entre as melhores que já provei na cidade, mesmo sem recorrer ao argumento de que é um milagre servir uma dose daquela generosidade, com aquela qualidade de entrecosto e enchidos, por aquele preço (7,40€). Se a isto somarmos as ervilhas com ovos (7,40€), que repetem as carnes da feijoada, temos uma quinta-feira de boas indecisões. Isto sem chamar ao barulho os carapauzinhos fritos (8,50€), que por vezes ali andam, sempre guarnecidos de um arroz malandro e também ele indeciso – já o encontrei vestido de tomate, de coentros, de feijão e de grelos – e que nunca, mas nunca, me desapontou.
No outros dias, quase tudo muda. Mantêm-se a mão precisa da Dona Ermelinda, a eficiência inatacável e a simpatia tranquila da sua filha Luísa e do genro Carlos, que cuidam da frente da casa, e a exigência comum dos almoços nas grandes casas de pasto: chegue cedo ou traga paciência.
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