Alfredo Lacerda, excelso crítico desta casa com quem todas as semanas aprendo alguma coisa, tem o distinto hábito de se sentar sempre à mesa na companhia de um amigo. É sábio. Permite provar mais coisas, partilhar experiências, ponderar sentenças, lembrar que os gostos se discutem e moderar as nossas próprias manias. Para mais, evita aquela solidão mastigada das refeições desacompanhadas. Vai daí, desta vez levei o amigo do Lacerda comigo. Fomos ao Riscas, pequena tasca familiar junto ao Museu Nacional de Arte Antiga. Gostei. O amigo do Lacerda também.
A ementa tem duas páginas. À esquerda, em letra impressa, a carta fixa; à direita, escrita à mão, a carta variável com dias fixos. Se descontarmos a sequência de omeletes, temos um empate a seis entre pratos de sempre e pratos do dia. Era uma terça-feira e eu avancei pela direita atacando uns bifinhos de cebolada (6,5€), o amigo do Lacerda colocou-se na faixa da esquerda e foi num bitoque (8,5€). Dos bifinhos direi coisas boas. Cebolada húmida, bem apurada, ligeiramente ácida, a denunciar redução de vinagre. Do bitoque, disse o amigo do Lacerda: “dos melhores que comi em muito tempo.” O amigo do Lacerda, para que conste, é um reputado especialista em bitoques. Salientou a boa carne, alta e previamente batida, bem selada e crua ao centro, temperada com alhos esmagados e louro. A acompanhar os dois pratos, umas belíssimas batatas fritas – ultimamente ando com sorte nelas –que, vim a perceber, servem de guarnição a três quartos da ementa.
À segunda vez, fui lá com outro amigo que, sendo também amigo do Lacerda e do amigo dele, não é dado a tascas. Mas é dado a meter conversa com quem não conhece, coisa que por regra me deixa encabulado, mas que no caso me serviu bem. Era uma segunda-feira e as iscas que toda a gente gabava tinham sumido, mas este amigo rapidamente fez outro amigo na mesa do lado que nos ofereceu um quinhão da sua dose (6,5€). As iscas chegaram como mais me agradam, finíssimas, quase transparentes, bem fritas após horas numa vinha d’alhos cuidada. Experimentaram-se depois umas pataniscas com arroz de feijão (7,5€). As pataniscas altas e fofas convenceram este adepto das finas e estaladiças, também elas com mão certa de temperos simples, bem fritas e enxutas. Pena que o arroz de feijão, um nadinha aguado e sem grande apuro, não lhes fizesse justiça.
À terceira, cheguei com um amigo que, não sendo amigos dos restantes, é um dos grandes especialistas mundiais no prato mais alardeado da casa: panados. Era uma quinta e tinham-me aconselhado a reservar mesa por ser dia deles. O meu amigo, que aos 12 anos já terá devorado uma vara inteira cozinhada em polme de pão, foi peremptório: são como os da avó. É o maior elogio que ele tinha para dar, com o qual concordei por inteiro e passo a traduzir: fininhos, temperados com tempo, envolvidos num polme direitinho, passados previamente pelo frio para manterem a consistência e depois rapidamente fritos (6,5€).
Por tudo isto, a quarta vez está para breve. E sou capaz de lá ir com o Lacerda.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.