Dizer que um queijo sabe a batata sempre me pareceu maior ofensa ao tubérculo do que ao lacticínio. É daquelas expressões que se usam para referir queijos sem cura nem gosto, na melhor parte das vezes fatiados em rectângulos desenxabidos para entalar em sandes de cafetaria. O mesmo é dizer que a batata é uma coisa desengraçada que sabe a nada, nicles batatóides, coisa que a mim, aficionado do amido, me deixa sempre intrigado.
Penso nisto sempre que entro n’O Tapas, casa que senta uma dúzia numa transversal ao Rato, onde me refugio em jantares de conforto e as batatas me sabem sempre pela vida. Ali, sou um fiel do Bife à Portuguesa (8,5€). É farto, frito, tenro, levemente batido, temperado de alho e louro e guarnecido com umas batatas fritas perfeitas, no ponto de fritura e de sal, enxutas e firmes.
Nunca me demorei na ementa fixa d’O Tapas, fugi sempre para os pratos do dia, escritos à mão na página ímpar da ementa. No início, fazia-o por educação: aos jantares, o senhor Pereira está quase sempre sozinho, faz a cozinha, o balcão e a sala, e sempre achei que lhe facilitava a vida indo pelos pratos do dia. Depois, por hábito: mesmo quando percebo que é a sua mulher quem está na cozinha, a verdade é que venho sempre pelo bife e percebi que é sempre do dia todos os dias. Nas vezes que li bife de atum de cebolada (7,5€) não hesitei e não me arrependi. O naco de peixe fresco e de boa altura, a cebolada húmida e ligeiramente ácida, como gosto. E as batatas, brancas, saborosas, macias sem se desfazerem, simples, cozidas com sal, convidativas e a pedirem molho. As lulinhas fritas, fartas em alho e coentros, trabalhadas em fogo alto sem nunca queimar, também já me confortaram tanto com batatas fritas como cozidas.
Um destes dias, perguntei ao senhor Pereira onde ia às batatas. Já me sentia suficientemente da casa para merecer a confiança de um segredo, e já o imaginava a partilhar em surdina o nome de um pequeno fornecedor a que eu pudesse talvez recorrer se o bom homem metesse uma cunha por mim. “Por aí”, respondeu-me. Por momentos, pensei que me estava a mandar plantar batatas. Mas ele prosseguiu: “Para fritar procuro sempre daquela suja de terra, que é a melhor. Depois é a questão de como se frita. Sempre bom óleo, muito quente. Se é para cozer procura-se branca... não é toda igual, tem sempre alguma coisa que se lhe diga. "E aí está o essencial da teoria da batata.
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