O prato veio com um risco de puré à chef e um pedaço de rabo de boi transformado numa bola. Por cima, chips e rebentos – simulacro de alta cozinha já com uns anos, mas bonitinho. O problema foi quando a comida chegou à boca. Um sabor fortíssimo a cardamomo sobrepôs-se a tudo – deu cabo de tudo – e a carne era um novelo de fiapos hirsutos e secos.
É preciso sublinhar a dificuldade que é estragar rabo de boi. O rabo de boi tem tanta gelatina e tanto sabor que, para se dar cabo dele, é preciso deixá-lo ao lume durante uma semana, encharcado em especiarias usadas para fazer perfumes.
Adiante, que há mais parvoíce.
Sobre os acompanhamentos. O chícharo. O chícharo é uma leguminosa entre o tremoço e o grão, cuja reabilitação tem sido promovida por Alvaiázere, terra com festival do mesmo. Vai bem o chícharo com rabo de boi, sim senhor. O que não vai bem é que o chícharo estivesse rijo e seco e banhado em puré de pêra rocha.
O desastre do rabo de boi sucedeu a outro: o bitoque. O bitoque da casa foi promovido no Facebook da Oficina como sendo algo especial, mais um exemplo da filosofia do chef residente: “tornar o ordinário extraordinário”.
A práxis, contudo, não esteve à altura da retórica. O bife, que me pareceu do lombo, ultrapassou o ponto mal passado pedido. A isso, somaram-se outras tragédias: a carne não terá levado uma pedra de sal, sendo que o molho era também adocicado (disse sobre este assunto uma orgulhosa empregada: “é feito ali naquela panela, durante muitas horas, e vão-se atirando lá para dentro muitas coisas”); o segundo drama aconteceu com o ovo. O ovo era uma bola de sémen esparramada no prato. Alguém quis brincar ao ovo cozido a baixa temperatura e criou um absurdo. Gema líquida é bom, mastigar clara deslassada, a solo, é um horror.
Enfim, podiam ter sido dois ou três erros, mas foram vários. De sete comidas que provei, em dois jantares, só duas foram dignas de virem para a mesa: a mousse de chocolate e o patê. O resto, tivesse o restaurante um chef presente e capaz, não teria saído da cozinha. Para além de mal pensados, os pratos foram pior executados, usando-se sem critério vários clichés da gastronomia internacional – como as algas ou as longas cozeduras.
É preciso dizer que este desaire tem um responsável, que se assume como um one man show. À frente do restaurante está Rui Rebelo. Não conhecia o novo chef da Oficina do Duque até ter visitado o site do restaurante. Para além dos contactos, estão lá dois textos, ambos escritos na primeira pessoa. No primeiro, intitulado “Conceito”, o chef fala sobre si. No segundo, intitulado “o Rui”, o chef fala sobre si. Rui Rebelo assume-se como alguém que vive para “dar aos chícharos, às miudezas ou aos grelos o lugar de honra que merecem.” Alguém que procura “destruir preconceitos” e que tem uma líbido solta. “A comida, como uma mulher, é deliciosamente imprevisível”, escreve, para mais à frente concluir. “Experimentar. Comer, beber, f..., viver. É o que me alimenta.” As aspas são dele.
No segundo texto do site, o extraordinário chef detalha o seu currículo. Mudou de países “ao sabor do saber”; estudou numa “escola de referência” no Brasil; passou por uma roulotte de street food em Londres; fez um masters para chefs executivos em Barcelona; aprendeu “com Ferran Adrià o binómio emoção e tecnologia, com o brilhante Joan Roca a incessante procura da excelência e com Ramon Morató – o melhor chocolateiro do mundo – a sofisticação da doçura.” É muita coisa, é muita prosa. Mas não é o suficiente para se servir bem as pessoas.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.