Fui duas vezes ao Ofício, já na sua nova vida. A primeira foi fraquinha. Tudo correu mal: a comida, o serviço, os vinhos, a conta. Éramos cinco pessoas à mesa, nenhuma saiu feliz. Contei a experiência a alguns amigos e a gente do business. Reagiram em coro: “Eu gostei.” Um ou outro acrescentou mesmo: “Muito.”
Nessa altura, a internet parecia também ter toda essa opinião. No Instagram, choviam hipérboles e fotos pornográficas do menu. A avaliar pelas stories, estávamos perante um fenómeno de criatividade, bom gosto e boa onda – tudo bonito, pratos para partilhar e uma selecção engenhosa entre comida de conforto (arroz de forno, tarte de queijo, choco frito) e arrojo (bolacha de courato, alface iceberg com abacate fumado, panacota com molho de arroz doce).
Resolvi, por isso, esperar e dar uma nova oportunidade. Entretanto, ocorreram mudanças na cozinha, liderada por Hugo Candeias, que trabalhou em dois restaurantes mexicanos em Barcelona, do chef espanhol Albert Adrià. Micael Duarte, que também já passou por cozinhas importantes – do Prado ao Chiltern Firehouse –, entrava para a equipa do restaurante. Hugo e Micael faziam uma dupla forte no TAG, um fine dining ali ao lado, dos mesmos donos do Ofício.
Meses depois, voltei então a oficiar. As coisas correram melhor do que na primeira vez. Houve um prato salgado bem bom: o taco do mar, com espadarte e amêndoa torrada; e outro bom: o tártaro de novilho com tutano (este invisível, ao contrário do alecrim: muito). Nos doces, dois igualmente gulosos: a tarte de queijo (basca) e a panacota (a tal com molho de arroz doce). O resto, todavia, andou entre o razoável e o mau. No razoável, entram o choco frito (tenro mas sem crocância), o torresmo (que na verdade era um courato desidratado e frito), as batatas fritas (palitos grandes, ligeiramente mofentos) e os cogumelos pleurotos com caramelo de frango.
No mau, umas línguas de bacalhau salgadas como o Mar Morto, prato do dia que não terá sido provado pelas papilas de nenhum dos cozinheiros em exercício.
Quanto ao serviço, também melhorou desde a primeira vez, mas isso não é dizer muito. Na primeira vez, um miúdo fez-me pagar uma garrafa de vinho cujo aroma a TCA (a famosa rolha) faria a estátua do Fernando Pessoa contorcer-se. Agora, o empregado era mais experiente, mas não ao ponto de me trazer o copo de vinho antes de lho pedir três vezes.
Como na primeira visita, algumas comidas estavam também em falta, entre elas duas que integravam os pratos do dia (cinco no total). A questão impôs-se: como se pode inscrever numa ementa do dia pratos que não existem à uma da tarde, do dia? Como podem faltar 40 por cento dos pratos do dia, no início do serviço, no dia? Também no caso dos pratos fixos, houve falhas, como a das tiras de entrecosto (“o molho ainda não está pronto”). O que voltou a estar bem presente foi a lima: dos torresmos ao choco, parecia que estávamos numa taqueria.
Posto isto, a pergunta. O mundo está certo e eu errado? Talvez. Eu quero mal a alguém do Ofício? Não.
O que se passa são duas coisas. O Ofício tem excelentes comunicadores, quer entre os seus sócios (onde se inclui o actor Pedro Teixeira), quer na agência que promove o restaurante. Boa parte dos autores que postam as fotos bonitas no Instagram, alguns meus amigos, são convidados por eles e comem, portanto, em ambiente protegido e controlado e sem factura. Uma das verdades universais da gastronomia é que uma refeição sabe melhor quando não temos de sacar da carteira.
Acontece que o sucesso digital pode dar a entender aos oficiantes que eles precisam de estar mais atentos aos influencers do que ao ponto de sal do bacalhau. Um engano.
O Ofício tem virtudes, alguns bons pratos, bom produto e gente com talento e conhecimentos. Só não tem, ainda, a consistência e a qualidade que justifiquem pagar-se 40€ por um almoço.
*Os críticos da Time Out visitam os restaurantes de forma anónima e pagam pelas refeições.