Cá fora, a empena do edifício está forrada com a imagem gigante de um homem a esticar a boca com os próprios dedos, Jorge Molder pelo fotógrafo Jorge Molder. Lá dentro, a alta cultura é substituída pelo mundano: na recepção do LACS, o espaço de cowork onde está este Okha, um cartaz anuncia o horário para tratar das “nails” e diversas raparigas excitadas com a modernidade perguntam por um evento qualquer para “creators”.
Aparentemente, podíamos estar na entrada (lobby) de um hostel de capital europeia. Vê-se gente frenética de um lado para o outro, elevadores que sobem e descem. Mas não se enganem. O sítio pretende ser um local de trabalho. Muito trabalho. As redes sociais do LACS incentivam os seus coworkers com máximas que podiam ter saído de um manual de auto-ajuda dos anos 90: “Ambition is the path to sucess. Persistence is the vehicle you arrive in”. Uou! Saiam da frente dos miúdos!
Parte desta ironia ruim é inveja. A ideia de intervalar a crítica gastronómica com uma “massage” ou uma “ashtanga yoga session in the rooftop” saberia muito bem, desde que não tivesse de aturar paleio de criativo (“empreendedor” é muito 2013).
Subamos então ao terraço, três pisos acima. É lá que está o restaurante. Os donos explicaram à imprensa que o nome Okah vem das ocas brasileiras dos indígenas, forradas a madeira e palha. A justificação é tonta. O que encontramos são contentores, instalados no topo do edifício, rasgados por janelas a toda a largura. Mesmo como metáfora, a associação é inapropriada. Mas a vista resulta magnífica, com o cais da Rocha do Conde de Óbidos aos pés, a Ponte 25 de Abril à direita e a água do rio cintilante, em frente.
Sentemo-nos. Sugerem- nos o ceviche a abrir, para nos refrescarmos, e nós aceitamos. O ceviche é a nova trouxa de alheira. Na verdade, é melhor, mas tem a mesma quantidade de derivações parvas. Nos últimos anos, fui sendo brindado com ceviches de tudo o que mexe, do salmão ao bovino. No caso, trata-se de um ceviche kinilaw, das Filipinas, que tradicionalmente substitui a lima por vinagre. A base é de um peixe branco, não identificado, e o toque de chef são líchias. Resultam muito bem no equilíbrio doce com a acidez da marinada e os frutos secos. Um ceviche dos bons.
Sobre nada disto nos vai informando o empregado, que parece ter caído num poço de Prosac com anfetaminas. É uma pessoa simpática, histriónica e culinariamente ignorante, que paira em nosso redor como um bailarino em pontas. Desconhece quase tudo o que está no prato, mas sabe da vida e do humor e sabe que os camarões também são “muito bons”.
Voltamos a segui-lo. Os camarões – grandes, descascados – estão cozinhados no ponto sobre um molho de leite de coco, salsa e picante tipo Sriracha. Outro óptimo prato.
Siga para os principais. O borrego da Nova Zelândia é, a par dos mexilhões, uma das mais populares exportações gastronómicas daquele país. Apresenta-se aqui fatiado, sobre um puré elástico, porventura com queijo à mistura, a batata, se a tinha, estava disfarçada, tudo regado com molho de hortelã.
No caso do segundo prato principal, estamos perante um embuste relativo. A presa de porco com chutney vinha também fatiada, mal passada (sim, pode-se), tenra e suculenta. Mas faltava-lhe algo. Faltava-lhe aquele hidratozito que o tuga gosta. Os sócios do restaurante são brasileiros (os mesmos do restaurante Zazah, no Príncipe Real), a carta é inspirada na Ásia, mas os clientes, pela amostra, são maioritariamente portugueses. E portugueses querem hidratos. Eu e o meu amigo queremos hidratos. “Não há acompanhamento?”, perguntamos ao empregado. “Há, é o chutney”, responde o empregado e seu sorriso.
Ora, chutney não é acompanhamento. Chutney é aquele frasquinho de loja gourmet que compete com a garrafa de vinho do Porto no concurso das prendas que mais rodam no Natal. A meia dúzia de peças de dominó que compõem a presa, a solo, custam 17,90€. Puxadote.
Terminamos com um creme que parece leite condensado torrado e coco, injectados em cones crocantes. Agradável a primeira dentada, mas é sobretudo açúcar sobre açúcar.
Em síntese. Estamos numa cozinha que sabe o que faz e usa produtos acima da média, num espaço privilegiado e surpreendente, para usar os qualificativos dos press releases destas coisas. Tendo em conta a dificuldade em comer bem à beira-Tejo, trata-se de uma opção a ter em conta.
O problema é o preço. Esta refeição, com três copos de vinho, custou cerca de 85 euros, para duas pessoas, a um almoço – e ninguém saiu a abarrotar. Quem não pratica aforismos yuppies em inglês, poderá ter dificuldade em engolir.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.