Decidi ir com uma courense aos Courenses, a ver no que dava. Deu basqueiro. A minha amiga não vinha cá há anos, nem se lembrava bem da casa, e o mais certo era que a casa não se lembrasse dela. Então não era! Chegamos pelo meio-dia de uma sexta-feira semiconfinada e já encalhámos à porta, mas felizmente para dois bastam três minutos e eis-nos então sentados na última mesinha vaga, bem no centro deste concorrido casarão de duas salas. Ora, os courenses, aprendo depressa, topam-se a léguas, e por esta altura já pouco há a fazer pelo anonimato que estas expedições exigem. Ela é reconhecida como filha da mãe, saudada como filha do pai, afagada pela cozinheira de quem ainda é prima. Tudo num escarcéu bastante para se ouvir lá em Coura. Eu escondo-me atrás da ementa.
Os Courenses são difíceis de classificar. Têm o afã de uma cervejaria, o desembaraço fabril de um refeitório, o acolhimento de uma tasca, a garrafeira de um bistrô, os guardanapos de um fine dining. E têm também aquela coisa irremediavelmente minhota, que se anuncia na longitude da lista (conto 21 pratos do dia) e se confirma na fartura das doses. Falar em vaquinha pode significar que cada comensal tem de se haver com meia barrosã.
A carta tem muita grelha e bastante tacho. Avançamos nas pataniscas com arroz de feijão (10€), prato frequente do dia. São médias de altura, fritas no ponto, enxutas e saborosas, estaladiças por fora, acolchoadas por dentro. “Bem boa, não sabe a massa”, diz a courense, e eu concordo, que isto de fazer frituras com farinha é uma arte subvalorizada. O arroz acompanha. O carolino húmido sem chegar a ser malandro, perfumado de ervas e cravinho. Estaria no ponto, não fosse o chouriço industrial em rodelas para dar gosto ao bago.
Seguimos numa posta de vitela do Gerês no churrasco (18€). E aqui sente-se a vocação da casa. A carne é de uma maciez comovente, a grelha de uma competência científica: o naco bem selado, sem ponto preto por fora e no ponto rosado por dentro, untado com um molho onde descortino azeite, limão e manteiga, e que aceito como uma boa batota. Acompanha uma batata pala caseira que haviam de empacotar, dois maços de arrozinho de cenoura que a minha amiga gaba – “sou muito arrozeira” – e isto era refeição para duas pessoas de juízo.
Bandulho cheio, só a esforço enfrento outra vaquinha. As sobremesas enchem uma carta à parte, com muitos doces feitos em casa de alguém. “Na minha terra come-se arroz doce do bom”, antecipa a courense. Arroz, arroz, arroz, penso eu. Ela avalia: “tem pouco arroz, mas o sabor está lá”. Tem razão, é um leite creme com arroz dentro. Bom, claro, que difícil era transformar nata, canela e ovos em coisa ruim.
De resto, nada nesta refeição foi menos que comida de conforto – o que não é dizer pouco. Desconforto, só mesmo o meu acanhamento com novo alarido à despedida, entre parabéns à prima e cumprimentos à filha da mãe.
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