Enjoos gastronómicos
Ilustração: Ana Gil
Ilustração: Ana Gil

Os maiores enjoos gourmet de Lisboa

A actividade de crítico de restaurantes nem sempre é aliciante. Alfredo Lacerda diz-lhe tudo o que os restaurantes em Lisboa lhe andam a servir e que o deixa como se estivesse grávido de três meses

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Os restaurantes da cidade estão cheios de clichés e conceitos repetidos (também já não se aguenta esta coisa dos conceitos). Aqui ficam algumas coisas que já dão náuseas. 

O nosso conceito é...

Petiscos

Das bruschettas aos ovos com farinheira, dos rolinhos de sushi ao melão com presunto, tudo é petiscos nesta cidade e toda a gente, desde o cozinheiro de tasca ao chef da TV, abriu ou vai abrir um restaurante de petiscos. Muitas vezes são bons. A maior parte das vezes são apenas… enjoativos.

Comida para partilhar

Partilhar é óptimo. Adoro partilhar e, sobretudo, que partilhem comigo. O problema é que, neste mundo de fartura e ganância, a maior fatia fica muitas vezes com o dono do restaurante. Antigamente, as doses para partilhar eram doses duplas ao preço de uma. Hoje, as doses para partilhar são doses únicas ao preço de duas.
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Rodízios

Pensávamos que tínhamos ganho aos rodízios quando uma certa cadeia começou a fechar lojas. Mas eis que surgiu o rodízio de sushi e chegaram outras cadeias carnívoras. Entenda-se uma coisa de uma vez por todas: duas das proteínas mais caras do mundo são a carne e o peixe no seu estado selvagem. Daqui resulta que o que é servido nesses rodízios, sem limite de quantidade, não é bem carne nem é bem peixe.

Sushi/Pizza/Indiano

Primeiro eram raros, depois eram caros, passados uns anos tornaram-se um produto tropical. Seguiu-se a moda, a democratização e a expansão do sushi. De Massamá ao Príncipe Real, de Almada ao Prior Velho, prosperam sushis, sushineses, sushiportugueses, sushitalianos, sushindianos. Muitas opções, quase todas más. Salvam-se três bons restaurantes japoneses tradicionais de sushi e outros tantos de fusão. O resto, é passar.
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Tabernas modernas

Houve um tempo em que apareciam tabernas modernas interessantes e ainda resistem algumas bem boas. Esse tempo acabou. De resto, não sobram qualificativos para usar com a palavra taberna (alguns exemplos, muito poucos, que aparecem na nossa base de dados: Portuguesa, Moderna, Antiga, dos Gordos, dos Condes, Andaluz, Madeirense, Ímpar, Grande…).

Cozinha com twist

Toda a gente conhece aquele cozinheiro amador que se julga um artista, aquela pessoa que se gaba de nunca seguir receitas e dar sempre o seu toque pessoal. Ora esse tique também existe nos cozinheiros profissionais. Nos anos 90 estas pessoas metiam soja nas ostras e chamavam-lhe fusão. Em 2016 fazem bacalhau com crosta de mandioca e chamam-lhe cozinha tradicional portuguesa com um twist.

Foi bom, mas já chega

Pimentos pádron

Os pimentos de Padrón (o nome vem da paróquia onde eles começaram por ser cultivados, na Galiza) são o produto que Lisboa mais importa de Espanha logo a seguir aos cidadãos espanhóis. Porquê: porque são baratos, porque podem ser cozinhados por uma criança de dois anos e porque há todo o ano na Makro.

Tártaro de atum

Esta categoria, na verdade, junta dois enjoos. Um são os tártaros – e há-os de todo o tipo, como se sabe. O outro é o atum. Atum é bom, mas a maioria do que se come por aí está longe de ser fresco. O gelo a mais, frequentemente, rebenta-lhe a textura.
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Saladinhas de cenoura

Há para aí dois ou três chefs em Portugal que conseguem fazer da cenoura uma coisa boa. E isto tem uma razão de ser: a cenoura é um doce que quer ser salgado. As dezenas de pratinhos de cenouras avinagradas servidas nesta cidade – boa parte delas com coentros, alho e cominhos – dão colorido ao couvert mas enjoam mais do que as sopas que comíamos com seis meses de idade.

Portobello

Lembro-me bem dos champignons de Paris. Eram uma coisa submersa em natas que servia para tornar o peru suportável. Hoje, perante o domínio avassalador dos portobello (salteados, recheados, no risoto, na massa, no empadão, no pastel de nata…), dou por mim com saudades dos champignons de Paris.
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Teriyaki

O teriyaki é uma técnica para assar ou grelhar e não um molho comprado num supermercado chinês do Martim Moniz – embora também seja um molho comprado num supermercado do Martim Moniz. Trata-se de um composto de soja, mirin e açúcar e costumava ser uma coisa boa em espetadas de frango. Sucede que tudo hoje em dia leva teriyaki.

Kimchi

De alguma maneira, o kimchi é o novo teriyaki. O molho coreano feito com fermentação de legumes e malagueta tem tudo para se tornar mainstream: um nome exótico, um sabor asiático light e preço em conta. Boa parte dos que lhe aparecem no prato vêm de um frasquinho comprado num supermercado.
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Ceviche

Em 2014 contava-se pelos dedos de uma mão os ceviches que podíamos comer em Portugal, e quase todos em restaurantes de alta cozinha. Em 2015, apareceu a Cevicheria e passámos a ter um ceviche de topo. Depois, a cidade foi inundada de vinagre e lima e ficou esta ideia de que basta arranjar um peixe e enchê-lo de ácido para termos um ceviche. Má ideia.

Raviolis

Muitas vezes andam dissimulados. Nos japoneses e nos sushineses aparecem com o nome de gyosas, nos chineses são dumplings. A ideia é mais ou menos a mesma: rechear massa de farinha em forma de concha com qualquer coisa. Os recheios variam, tal como a origem: muitos vêm direitinhos da secção de congelados dos supermercados.
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Batatas wedges

No campo da batata industrial, as wedges, com ou sem casca, parecem ter derrotado as batatas em palito. O nome é mais modernaço, mas eu, que gosto de coisas estaladiças, voto contra estes gomos farinhentos.

Manteigas com sabores

Manteiga é bom com tudo. O que não significa que entre uma boa manteiga a solo e uma emulsão com pó de caril haja dúvidas sobre a melhor. Hoje em dia, frequentemente, os chefs abrem as refeições com manteigas de sabores e, frequentemente, eu acabo por preferir a simples, de vaca ou ovelha.

Enjoa só de ver

Copos e frasquinhos

Não é por acaso que o principal suporte de uma refeição, desde a Idade do Bronze, é o prato. É assim porque é mais fácil de comer. Esta moda de meter tudo em copos e frasquinhos, desde salada de bacalhau aos cheesecakes, só serve para pôr as pessoas a fazer caretas e exercícios de perícia com talheres.

E baldinhos

Ainda em matéria de equipamento, a moda do baldinho para trazer as batatas fritas é outra coisa gira que algumas miúdas adoram mas que faz com que as desgraçadas das batatas que ficam por baixo fiquem esborrachadas e cheias de óleo.
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Tábuas de ...

...queijos, enchidos, pães… é impressionante a quantidade de restaurantes que têm tábuas. A maioria estão a piscar o olho aos turistas que acham que Portugal é uma extensão de Espanha mas tem um pata negra mais em conta.

Ardósias

Pior do que tábuas, só ardósias. Algumas são apresentadas como “tábuas” porque tábua parece uma coisa mais caseira e rural. Mas na verdade o que aparece é uma ardósia. Como eu gostava de ter um negócio de ardósias…
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Trilogias

Há de croquetes, de gelados, de um só sabor. Não sei se pelas reverberações cinéfilas, os chefs gostaram da palavra “trilogia” e toca de encher as cartas com ela. Houve um tempo em que comer três coisas iguais ou parecidas enjoava. Agora parece que diverte.

Preços

O turismo faz bem, sobretudo aos turistas. Porque quem cá vive e não tem rendimentos nórdicos empobrece. Nos restaurantes do centro, sete euros costumava ser o que se pagava por uma dose de bacalhau, agora é o preço de uma entrada de ovo de codorniz com meio espargo.
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