1. Pabe
    Duarte Drago
  2. Pabe
    Duarte Drago

Crítica

Pabe

4/5 estrelas
  • Restaurantes | Português
  • preço 4 de 4
  • Avenida da Liberdade/Príncipe Real
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
Publicidade

A Time Out diz

A restauração de luxo floresce e até uma velha glória, que marcou o jornalismo político das décadas de 80 e 90, parece ter renascido. Alfredo Lacerda foi reler a história e comer a comida do templo da Duque de Palmela.

Almoço com Mário Soares no Pabe. O momento mais hilariante aconteceu quando ele mordeu a língua [a comer cerejas] e disse: “Diabo! Ia dizer mal do Guterres e mordi a língua.” José António Saraiva, in Eu e os Políticos.

A pergunta saltou numa janela do Messenger como um raio fulminante. “E ao novo Pabe, já foste?” Estranhei o interesse do meu amigo: costumava gostar de sítios com bifanas e salada de cenoura ralada; não de restauração de luxo. A justificação surgiu logo a seguir. “Como pessoa que leu os livros de Arquitecto Saraiva tenho alguma curiosidade.”

Arquitecto Saraiva é José António Saraiva. O ex-director do Expresso foi um dos clientes assíduos do Pabe na década de 1990, acabando por dar conta dos almoços que aí teve, num dos livros mais trágico-cómicos do Portugal contemporâneo.

Tentei agarrar-me e não promover a obra, um esterco que devemos conhecer. Mas o meu amigo tinha razão. É impossível falar do Pabe sem citar Saraiva. O Pabe sem Saraiva – e seu patrão – teria sido apenas um aprendiz de Gambrinus. Para se ter uma ideia, o nome do restaurante aparece citado 38 vezes em Eu e os Políticos, documento onde o arquitecto relata as conversas ocorridas no restaurante da Duque de Palmela, com mais de uma dúzia de políticos.

Eis-nos então em frente ao templo gastronómico onde o Expresso fazia política, porteiro de fato e gravata e tudo. Apesar de renovado, o restaurante mantém o frontispício a lembrar um bar de caçadores de alces, com a sua estrutura em madeira, como uma casa na neve. Sobre nada disto alguma vez escreveu Saraiva, sempre mais atento à mimética e ao verbo dos seus convidados notáveis.

[“Depois de um almoço no Pabe, enquanto finalizamos na rua, frente à porta do restaurante, a conversa iniciada no interior, passa por nós uma jovem não especialmente bonita. Pois M. M. fica a olhar para ela insistente e ostensivamente, seguindo-a com os olhos até desaparecer. Foi como se me dissesse: a minha mulher tem tido dificuldade em engravidar, mas eu sou muito viril.”]

Entremos. Lá dentro, o ambiente remete para um albergue luxuoso e antigo, alcatifas, madeiras escuras, quadros campestres, peças em latão e estatuária diversa, como a de um cão de genitália realista e protuberante. Não é fácil catalogar o estilo: requinte e conforto, bancos corridos acolchoados, iluminação suave que incita a falar baixinho. Logo em frente está o icónico bar, muito bonito e comprido.

[“Certo dia, antes de chegar a primeiro‑ministro, [Guterres] diz‑me (encostado ao balcão do Pabe enquanto esperamos por problemas se resolvem por si próprios. Sem ser preciso fazer nada.”].

O ex-libris, contudo, fica à direita de quem entra: eis o trono de Balsemão. Francisco Pinto Balsemão foi o grande cliente do Pabe. Ia lá almoçar quase todos os dias. A mesa com os bancos corridos era o seu lugar cativo, só tomado por Saraiva quando o patrão do semanário não estava. Balsemão, tristemente, deixou o restaurante desde que o Expresso se mudou dali para Laveiras (ficava na mesma rua, a poucos metros). Mas aquela mesa continua a ser a “mesa de Balsemão”. E continua a ser possível fumar lá, como em toda a sala principal.

Antes de nos sentarmos, dizem-nos que podemos escolher outra divisão, para não fumadores. A sala verde, nas traseiras, não tem o encanto da sala da entrada, que é onde toda a gente quer estar e nós também. Há muito tempo que não ia a um restaurante de nível superior onde se pudesse fumar – e a verdade é que não se sente qualquer cheiro a tabaco, seja porque as pessoas já não fumam, seja porque a exaustão é eficiente.

Mal nos sentamos, à nossa volta surgem três empregados. Um traz a lista, o outro traz o cesto de pães, o outro o trólei do peixe do dia. Douradas, robalos, imperador. Têm todos um aspecto fresco (preços a partir de ¬ /kg). Os pratos do dia são ditos de viva voz. Pedimos só uma das opções, pregado frito com açorda de amêijoas. De resto, vamos atrás de dois clássicos: cabrito assado e bacalhau à minhota. De entrada, perdiz de escabeche, dose única já repartida em três pratos da cozinha.

O serviço é, aliás, uma maravilha. Quem dera a muitos Michelin terem estes empregados, todos antigos e com escola e prática. Não há um entrave, tudo acontece de forma fluída, à vontade do freguês. Queremos primeiro o bacalhau e o pregado, para dividir na mesa, o cabrito só no fim, servido em pratos individuais. E está tudo certo, e vem tudo quente, a dose do cabrito irmãmente repartida, como se tivessem pesado cada porção numa balança de precisão, com direito a pratinho de arroz de fígados para cada um.

O produto também é de topo, desde as amêijoas da açorda (carnudas e suculentas) até ao bacalhau, altíssimo e demolhado no ponto, passando pelos grelos que acompanham o cabrito, com o sabor a terra que devem ter. Não há uma falha, receituário tradicional sem invenções, sem toquezinhos, sem molhinhos a mais, tudo clássico, tudo óptimo – um Solar dos Presuntos sem decoração posh, um Gambrinus sem novos ricos.

Nos vinhos, a lista continua um colosso e está a ser renovada. A sommelier toma conta de nós, mas quando lhe indicamos que escolha “barato” a sua cara torce-se de cãibras. Num esforço para satisfazer a exigência, vai então ao bar procurar referências fora da carta – e traz de lá um Herdade do Grous Reserva, por 32€. O preço é justo, o vinho não é “barato”, o barato é relativo.

[“Num almoço com o jornalista Fernando Madrinha, no Pabe, [Dias Loureiro] escolhe Chryseia, um vinho que custará entre ¬100 a 200 euros a garrafa (e não terão bebido apenas uma).”]

Nas sobremesas, vamos novamente por um clássico da casa, “a nossa farófia”, que encanta mais os meus amigos do que a mim. Parece-me demasiado doce, apesar de saborosa, com uma vagem de baunilha a sério por cima.

A terminar, mignardises em dose dupla, brownies e bolachas de manteiga, café em louça elegante, também ela renovada.

Concluindo. A carta deste Pabe está cheia de coisas boas. Alguns pratos de origem francesa desapareceram, mas outros obrigatórios mantêm-se, como a terrina de pintada com pistáchio (da próxima não escapa), o chateaubriand à Pabe, o bife tártaro du maître ou o crepe Suzette. De resto, o restaurante serve boa culinária tradicional portuguesa, num sítio com alma.

Tudo isto tem um preço alto. Pagou-se por este almoço para três pessoas, com uma garrafa de vinho,166€ E não há grande margem para descer dos 55€ por cabeça. Só subir, muito. Mas a questão é que o Pabe é único e, depois de ser renovado, está em grande forma.

Quanto ao Arquitecto Saraiva, é improvável que o lá encontre, hoje em dia. Já não trabalha ali, já não faz política à portuguesa. E nunca foi a comida que o atraiu no Pabe. Nem uma linha do seu livro dedicou à cozinha. O traste.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua Duque de Palmela, 27 A
Marquês de Pombal
Lisboa
1250-097
Preço
Mais de 50€
Horário
Seg-Dom 12.00-00.00
Publicidade
Também poderá gostar
Também poderá gostar