1. Panda Cantina
    ©Duarte Drago
  2. © Duarte Drago
  3. © Duarte Drago
  4. Panda Cantina
    ©Duarte DragoRamen de tofu

Crítica

Panda Cantina

4/5 estrelas
  • Restaurantes | Chinês
  • Baixa Pombalina
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Chegou à Rua da Prata em Outubro de 2018 e a popularidade tem aumentado num boca-a-boca que rapidamente se propagou. O Panda Cantina é um pedaço da região de Sichuan, na China, plantado no centro de Lisboa que quer fazer do tradicional a marca da casa. A decoração é suave e bem conseguida, os pormenores são interessantes e até a disposição dos lugares é pensada para acomodar a partilha em grupo ou a refeição a solo. A mão é de Yin, responsável pelo espaço, que aterrou em solo português depois de uma aventura no ramo do design, em Paris, e que acabou por ficar.

A falta de um espaço que representasse a cozinha chinesa da provincia natal foi a razão da estadia prolongada, e é precisamente esse o argumento maior do Panda Cantina. Aqui é tudo caseiro, os noodles são feitos na casa, os caldos e as carnes chegam a levar três horas de preparação e a sobremesa é, também ela, preparada na cozinha.

O menu é simples, com o ramen como tema central, e há três variedades a provar: porco, vaca e tofu (7,80). O menu (9,60€), com sobremesa e bebida incluídas, dá-nos a carta de entrada num leque de escolhas. Há chá de jasmin, verde, oolong ou pu'er (1,50€) e leite de soja caseiro (1,50). A sobremesa, geleia de gelo de Sichuan com goji e gengibre é o toque final perfeito.

Por Tiago Neto

Crítica:

A empregada está a tirar 
o pedido, caneta em punho. “Temos ramen de porco, vaca ou tofu”. É só isto, mas isto pode ser muito. Não hesito. “Porco”. “E qual o nível de picante que prefere, de um a cinco?” Penso durante dois segundos. “Cinco”. A rapariga interrompe a escrita abruptamente. Levanta os olhos do caderninho e fica boquiaberta. Como se nunca alguém, jamais, tivesse pedido o nível 5. Como se lhe estivessem a pedir que apontasse um lança-chamas às amígdalas de uma criança. “Gosta mesmo de picante, é isso?”, confirma, serena. “É isso”.

A ideia não é, simplesmente, ter fogo, embora fogo seja bom: da mesma forma que algumas pessoas gostam que lhes belisquem os mamilos, eu gosto que me incendeiam a boca. E escusam de vir com a lengalenga “do picante que destrói os outros sabores” e blá, blá, blá.

Mas aqui há mais. Ainda. Assim que entrei no Panda Cantina, uma porta discreta da Rua da Prata, senti no ar o aroma a uma rua de Chengdu, capital da região de Sichuan, conhecida pelos seus restaurantes de hotpot. O hotpot é um caldo aromático, servido em panelas borbulhantes, onde os chineses mergulham coisas várias, algumas exóticas, como intestinos e miolos de animais. Esse caldo é feito à base de óleo de chiles, com malaguetas desidratadas e as maravilhosas pimentas de Sichuan. E é isso que está no ar. E é isso que procuro. Muito. Nível 5.

Espero a tigela sentado ao balcão e vou assistindo à preparação. À minha frente está Yin, o chinês proprietário do espaço. É ele o único a meter a mão no caldo. Vai compondo as taças com noodles feitos na casa, rebentos de soja, tiras de alga, ovo cozido, carne ou tofu.

Yin andou por Paris, é designer e isso percebe-se. O espaço do Panda Cantina é uma maravilha, duas dezenas de lugares sentados ao longo de uma mesa corrida e um balcão paralelo, de frente para a cozinha aberta. Ao fundo, caracteres chineses em néon, no tecto uma instalação soberba de dezenas de recipientes de bambu para cozer ao vapor, nas televisões pandas a comer em looping (a maior comunidade da espécie reside em Sichuan).

De resto, o ambiente é despojado e arty, sem nunca tocar no posh nem no étnico, azulejos brancos na parede e inox, muito inox: banca, tachos, tigelas, copos, talheres – tudo prateado e reluzente. A clientela segue o registo informal, vislumbrando-se gente viajada, tattoo e rastas, erasmus, curadores, galeristas e pessoas que dizem “iouga”, à procura de tofu.

Em poucos minutos, tenho então o ramen fumegante. Se fosse uma pessoa que faz aspas com os dedos, fazia aspas com os dedos. Este ramen (aspas com os dedos) são noodles à moda de Yin. A simpática empregada procura explicar. “É ramen chinês de Sichuan”. Hmmm. Mais ou menos. O ramen é um prato japonês com origem nos noodles chineses, mas mais complexo, com mais camadas e, no caso do ramen de porco (tonkotsu), com um caldo mais denso e gordo (podem prová-lo no Pangzi ou no Mi Dai, ao Martim Moniz); e quando falamos de Sichuan, a tradição em matéria de massa é outra:
 os dan dan noodles, a versão mais popular, normalmente não levam caldo, muito menos este ovo cozido ou os noodles grossos, em forma de udon. 
Yin admite que se trata de uma versão sua. E eu admito que ela é original. E belíssima.

Quando inspiro o vapor do caldo, os meus olhos choram como choraram da primeira vez com gás pimenta; e a minha garganta tosse como tossiu da primeira vez com um hotpot. A capsaicina voa e o melhor é bebê-la em colheradas. Na base da tigela está o caldo magro, no topo pequenos círculos ruivos do óleo de chile a boiar e flocos de malagueta.

O nível 5 é sério – seria um nível 3 em Chengdu, mas é sério. Passam uns segundos até conseguir ficar confortável. O corpo relaxa por fim, um fervor anestésico começa a alastrar do estômago para o cérebro, para as pernas – e podemos só imaginar como era nessas casas de Chengdu quando se imergia ópio no caldo do hotpot.

Muito bons também os noodles, feitos na casa,
firmes e elásticos, cozidos a cronómetro depois de se fazer
o pedido. E muito boa também a carne de porco, fatias finas de entremeada cozinhadas em soja e gengibre.

Experimento igualmente o ramen de vaca. Desta feita baixo para o nível 3. Está, ainda assim, picante. Se tem faltado aos treinos, recomendo que fique por aqui, nível 3. Mas se pratica a malagueta semanalmente arrisque o 4 ou, quem sabe,
 até o 5, e acompanhe com o óptimo sumo de soja caseiro (peça morno, só com um 
pouco de açúcar mascavado), das melhores coisas que experimentei para contrapor ao picante. De resto, não sinto grande variação no caldo do ramen de vaca, ao contrário 
do que é apregoado pela casa
 – nem mesmo nas coberturas, embora a vaca esteja saborosa 
e tenra e com a dose certa de gordura, porventura um corte do chambão.

A finalizar, Yin tem também assinatura na sobremesa. Numa taça de inox surge uma bola de gelatina vegetal, à primeira vista nem a vemos,
 de tão transparente. Ao lado, são servidos dois copinhos: um traz um xarope à base de açúcar mascavado e gengibre, o outro amendoim triturado. Atira-se lá para dentro o amendoim, depois o líquido e o resultado é um doce suave e fresco, muito agradável.

Em síntese: o Panda 
Cantina tem uns noodles
 bem bons, sem molhos nem pós instantâneos, num sítio com personalidade, onde se está bem seja num jantar de amigos ou num almoço rápido. Eu gostaria que Yin deixasse
os caldos com mais gordura, mais cheios – mas isso é um pormenor quando podemos voltar a cheirar o perfume de Sichuan. Há poucas refeições tão boas, por dez euros, no centro de Lisboa.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua da Prata, 252
(Baixa)
Lisboa
1100-422
Preço
10-15€
Horário
Seg-Sáb 12.00-15.00/18.30-22.00
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