Foi um dos sítios mais bonitos onde entrei nos últimos tempos. Tudo em belo: as paredes de mármore, as mesas de madeira, as prateleiras preenchidas com garrafas de vinho, a louça, os empregados, os clientes, os pratos, a iluminação, a fachada de azulejos. Como uma tasca a quem deram uma manta e uns abat-jours.
Encontramos o Parra já a chegar às Janelas Verdes, na muito gastronómica Rua da Esperança. Estamos numa das zonas preferidas pelos expatriados da cidade, a dois passos do Insaciável, a quatro da Lapa e a seis do Poço dos Negros.
Eis um dos novos triângulos cool da cidade, um cool que não é para todos, já se vê, mas um cool dos bons.
Nas visitas que fiz, um casal de portugueses apenas, o resto turistas e, pela pinta, estrangeiros residentes, alguns já habitués da casa, ainda que esta seja recente. O dono é um russo fugido da guerra, sommelier, que aterrou em Lisboa, mas conhece vinhos de toda a Europa.
O espírito do lugar está bem descrito no nome, é mesmo um wine bistrô, ou seja, um pequeno restaurante com produtos do dia, atendimento personalizado e descontraído, e clássicos de bistrô: pão de massa mãe e anchovas, manteiga de leite de cabra e osso buco – sendo que há uma clara dedicação aos vinhos a copo.
Aliás, o serviço revelou uma insistência, talvez excessiva, nessa modalidade.
Na hora da escolha, deram-se três garrafas a provar. Estamos no campeonato da intervenção mínima, o que por vezes significa vinhos com aromas a verniz das unhas ou couve fermentada (peido). Nada de grave, todavia, neste trio.
Acabámos por escolher um “laranja” do Loire, muito limpo de nariz, turvo na cor, belíssimo. O sommelier pareceu desagradado com a opção pela garrafa inteira, mas o nosso foco estava na comida e na carteira (se tivéssemos ido pelos vinhos a copo, carotes, pagaríamos quase o dobro para beber a mesma quantidade).
Quanto à comida, começou-se com o pão excelente da padaria doBeco, country loaf style muito húmido e bem assado, anchovas em azeite e um tártaro clássico em brioche.
Como é da praxe em bistrôs sustentáveis, havia pratos sazonais, nomeadamente uma salada de tomates bons, adornados por ervas frescas, onde pontificava o manjericão tailandês, ligeiramente anisado.
A pièce de resistance acabou, contudo, por ser o bife, cortado em dominós, no ponto médio mal, como il faut, servido com osso buco e umas batatas fritas de dupla fritura perfeitas.
Acabámos o nosso vinho, ao som de um soul electrónico bom e de uma vozearia contida dos clientes, ou seja, ambiente animado, mas chill, a ver a noite pôr-se das portadas abertas para a rua.
No final, o sommelier reapareceu para nos dar vinho Madeira. Falou bem sobre castas e produtores fora da caixa e até trouxe uma pipeta para retirar o líquido das magnuns, tudo muito impressionante. Só não falou do preço do fundinho de copo que estava simpaticamente a servir.
No final, dois Madeira acrescentaram mais 40 euros à conta, que assim saltou dos 50€ para os 70€ por cabeça, valor que é quase dez por cento do salário mínimo neste país.
Em síntese. O Parra é um belíssimo restaurante, com excelente comida e vinhos muito bem escolhidos, em Portugal e no resto da Europa. Excelente garrafeira de intervenção mínima, que foge aos rótulos do costume. O preço está acima da concorrência dos wine bistrôs de Lisboa, mas também é tudo ligeiramente mais cuidado e gastronómico. No final, só peça Madeira se for um extraordinário fã.