Crítica
Coisas que cheiravam a desastre.
O nome
“People” podia ser uma loja de roupa de má qualidade.
A carta
Os cogumelos portobelo, as trouxas de maçã e chèvre, o atum braseado, as gambas à la guilho, tudo banalidades que Lisboa ainda não derrotou.
A decoração
Ambição moderna no estilo Querido mudei..., papel de parede com caras de pessoas, estofos, espelhos – não me admirava se tivesse tudo vindo da cabeça da dona de uma boutique chamada People.
A ardósia-prato
A ardósia serve para escrever a giz, não serve de prato. Acabem com isto, por favor.
Coisas que cheiravam a sucesso.
O ambiente
A casa estava cheia e com muita gente acima dos 55 anos, o
que normalmente é bom sinal, sobretudo quando estamos no Campo Pequeno, reino de jovens burocratas da saladinha e da tosta de salmão.
A carta
Não havia só lugares comuns;
ao lado, coisas interessantes, como um lombo de robalo com azeite de trufa e puré de batata, alguns risotos originais, cordeiro fumado.
O serviço
Impecável: simpático, disponível, atento e honesto. Muito honesto. Veja-se esta situação, logo a abrir. A ler a carta, o empregado ao meu lado. “O peixe galo é fresco?”. “Não, não é fresco. Nós congelamo-los, depois eles são marinados e fritos com farinha de milho.” Isto é bonito e isto é raro. A resposta não teve qualquer hesitação, era a voz de alguém sincero e seguro. E está bem assim. Prefiro um filete que foi congelado fresco e descongelado lentamente do que outro ressequido pelo frigorífico.
Pode dizer-se que, por causa deste episódio, o sítio começou a ganhar. E não desiludiu na primeira entrada: sopa de ervilhas com presunto crocante. Não vejo que se possa fazer melhor, um clássico, o creme gomoso, o presunto seco, estaladiço. A seguir, voltaram as perguntas: “O robalo é de mar?” E voltou a verdade: “Não é”. Não sendo, era fresco e inodoro e não tinha textura farinhenta de certas aquiculturas. Faltou-lhe lima e sal, mas uma considerável dose de funcho safou o conjunto.
E eis que chegam os filetes de peixe galo. A solução da farinha de milho é claramente vencedora, deixa sempre a fritura menos empapada, os filetes rijinhos, com a elasticidade típica do peixe. Pior o acompanhamento de arroz de amêijoas, servido num tachinho à parte, aguado, os bivalves magrinhos e sensaborões, tomate adocicado de lata e tudo.
Por recomendação, seguiu-se o prato do dia. Costeletas de borrego com gnocchi, por cima um molho do tipo jus de carne, a finalização avinagrada e doce provavelmente resultado do derrame de balsâmico.
Lembrar que o balsâmico foi uma praga da cozinha de teleculinária. Em tempos, dar um toque de chef era desenhar uns riscos de balsâmico, e não havia amador ou profissional que não brincasse ao balsâmico. Hoje já parece ridículo a muita gente mas perduram resquícios da moda, como se vê. Dito isto, o prato era bem servido, as costeletas estavam bem boas, os gnocchi idem, ligeiramente caramelizados.
O mesmo nível nas sobremesas. O mil-folhas de ovos moles (4€) podia ir para a mesa de um restaurante de alta cozinha, as folhas transparentes e crocantes, os ovos moles frescos, canela e amêndoa laminada torrada em volta. O semi-frio People (“uma especialidade cujo segredo não revelamos”) não era assim tão especialidade nem assim tão segredo, tarte de natas com bolacha Maria gelada, chocolate quente por cima – soube bem (4€).
O resultado final
Não estamos perante um restaurante de excepção culinária (nem os preços, entre os 15€ ao almoço e os 25€ ao jantar, são para isso). Mas há pessoas na cozinha e na sala
que sabem o que fazem e fazem muita coisa bem. Pode ser uma boa opção para quem quer almoçar no Campo Pequeno, zona cheia de restaurantes medíocres. Garantido é que não vai ser enganado e que o vão tratar bem. E isso já é bastante.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.