1. restaurante pesca de diogo noronha
    Fotografia: Manuel Manso
  2. sobremesa do restaurante pesca
    Fotografia: Manuel Manso
  3. prato do restaurante pesca
    Fotografia: Manuel Manso
  4. prato do restaurante pesca
    Fotografia: Manuel Manso
  5. pesca
    Fotografia: Manuel Manso
  6. pesca
    ©Manuel Manso

Crítica

Pesca

4/5 estrelas
  • Restaurantes | Haute cuisine
  • preço 4 de 4
  • Princípe Real
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Quando abriu, há um ano, fez-se um grande alarido. O chef Diogo Noronha tinha tido uma passagem fulgurante pela Casa de Pasto 
e havia sido contratado pela Multifood, grupo com arcabouço para marketing e capaz de chegar ao patamar Michelin, para abrir o Pesca. O conceito do restaurante estava de acordo com os tempos: peixe, legumes e frutas de pequenos produtores, preocupações ambientais.

Dias depois da abertura, começaram os habituais convites para provar o menu feitos a jornalistas, bloggers e influenciadores. Surgiram desde logo textos laudatórios, mas quase sempre mais tímidos do que é costume. Fora das páginas e dos ecrãs, longe das agências de comunicação e relações públicas, a conversa era outra, mais dura: o Pesca não sobrevivia às expectativas. Que eram muitas.

Comi lá também nesta altura e fiquei com essa sensação. Na Casa de Pasto, Diogo Noronha tinha resgatado receituário de Lisboa e combinado com elegância comida de conforto, técnica e apresentação, sem recurso a florzinhas, bolinhas de géis e risquinhos. De alguma maneira, o jovem chef estava à frente do seu tempo: hoje, é essa a tendência. No Pesca, o que vi, de início, foi um deslumbre pela alta cozinha, pela possibilidade de uma cozinha geométrica de pinça e pétalas e de combinar 11 ingredientes bio em 3 cm quadrados de louça de grife – sem particular acerto, em muitos dos casos.

Ora, nesta última refeição, quase um ano depois, gostei bastante mais de tudo. Vamos ao relato de um almoço solitário e bonito.

Há pratos à carta e dois menus, um de 50 euros outro de 80 euros. Escolhi o de 80 e ainda lhe acrescentei uma ostra de início.

Boa a ostra do Sado, carnuda, com água de pepino, limão confitado e salicórnia (cliché desnecessário), tudo muito suave e ainda bem.
 O primeiro amuse bouche chega logo a seguir. É uma concha de mexilhão com gel de negroni e um pó marinho. Mexilhão nem vê-lo. E a amargura do negroni, como acontece tantas vezes, domina tudo e domina mal.

O tomate congelado com água de tomate e coulis de morango é o contraponto perfeito ao seu antecessor. Primeiro grande momento: frescura, acidez, doçura, umas pedrinhas de sal distribuídas rigorosamente. A florzinha no topo não acrescentou grande coisa, a não ser a ideia de que estamos fartos de florzinhas, um prato não é um jardim.

Novo amuse bouche, nova florzinha no topo. Por baixo, um pão de queijo com bacalhau 
e tapenade de azeitona verde, seco e banal, deixando-nos a pensar porquê isto depois daquilo. Chega o pão caseiro, fabuloso (não me parecendo do dia), acompanhado de um grissino que é o melhor que já me passou pelos dentes e de um bolinho de requeijão com pó de anchovas e alface do mar, banhado num óptimo azeite.

Siga para a primeira entrada. Espargos braseados com cogumelos cantarelos, creme de queijo da Ilha, puré de espargos. Uma maravilha. Sabor, intensidade, notas a frutos secos. Nem o facto de se aproveitar uma zona mais fibrosa do caule dos espargos desmerece o conjunto. O que está lá a mais é o puré de espargos; e o mesmo das pétalas.

A segunda entrada já mete bichos do mar outra vez e mantém o nível alto. As gambas da costa algarvia são extraordinárias, marinadas num salmorejo avinagrado, fresco, polvilhado das cascas das gambas desidratadas.

A seguir vem um desses pratos complicados de avaliar. Sardinhas da nossa costa, lombinhos das mesmas curados levemente e fumados.
 A acompanhar, muitos elementos no prato: bombons de puré de grão de bico, géis de pimento e de citrinos (laranja?), alguns grãos secos, crocantes, folhas de ice plant. A ligação do grão com a sardinha não é imediata e a distribuição dispersa, num prato raso como uma tela, não ajuda a unir tudo. Mas a verdade é que os sabores ficam na cabeça. No momento em que escrevo estas linhas, sinto a boca a aguar e isso é bom.

Eis então o famoso peixe-espada, o primeiro dos principais, que transitou para a carta de Verão. Gosto do risco de usar peixe-espada e do sabor. Não gosto da carne do peixe farinhenta 
e mole (por natureza, já não é rija). Mas o que interessa é que o conjunto é extraordinário, a pele do peixe a casar com a espuma, com o caril, os grãos de mostarda, ovas de arenque e umas folhas de alface e couve intensas, a espalhar amargura, a dar outra complexidade e vitaminas.

Último dos grandes, o salmonete braseado. Está belíssimo o peixe. Estão belíssimas as migas de pão a acompanhar, rodeadas de favas (menos belas), sobre uma gema a baixa temperatura belíssima. O puré de alcachofras belíssimo está. O mesmo dos mexilhões e da tomatada. Qual
 é a questão? Este prato são dois pratos. Dois belíssimos pratos.

Falemos agora da pré-sobremesa, que é notável e não merece o “pré”. Veja-se isto, veja-se como a cozinha tem uma capacidade extraordinária de se reinventar e surpreender: iogurte grego, aipo, pepino – e eis uma comida de uma elegância fresca e perfumada, absolutamente original e deliciosa.

Já a sobremesa, para mim, pecou por ser o contrário, sempre em altas. O chocolate Santo Domingo 70 por cento tem muito cacau. O que obriga a que o cremoso frio de banana que recheia a ganache tenha muito açúcar. Assim, andamos sempre em muito. E muito, nesta altura do campeonato, não é fixe.

Em síntese. Melhorou o Pesca desde a primeira visita. O serviço esteve impecável, numa sala só com três clientes. O empregado que me serviu (chefe de sala?) foi exemplar de correcção, informação e simpatia e os pratos chegaram num ritmo rápido, perfeito para um comensal solitário, como foi o caso. Depois, o espaço tem uma arquitectura e um ambiente que lembram uma casinha de comida da avó, bem diferente da opulência ora indie ora posh de outros fine dinings da cidade.

Sobre o preço. Caro, à la carte. Mas a degustação de 80 euros (11 coisas para comer) está uns euros abaixo de outras da concorrência. Porventura, não abaixo o suficiente para fazer com que os devotos dos estrela Michelin se tornem clientes.

*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.

Detalhes

Endereço
Rua da Escola Politécnica, 27
Príncipe Real
Lisboa
1200-279
Preço
Mais de 50€
Horário
Seg-Qui 12.00-15.00/19.00-00.00
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