A primeira coisa que tem de saber é que deve respeitar a pho. Olha-se para a pho e parece uma aguinha deslavada, um chazinho instantâneo. Nada mais errado. Fazer pho é uma empreitada das antigas, uma jornada que mete a um canto o nosso cozido à portuguesa.
Entre outras coisas, o caldinho requer horas de cozedura de ossos, mais vários legumes, entre eles cebola e alho e gengibre previamente queimados, mais a dose certa de especiarias – muitas: cardamomo preto, sementes de coentros, canela, estrela de anis. Depois é preciso filtrar, e escumar, e filtrar, até todos os detritos desaparecem e a sua sopa ficar translúcida.
A última fase é a dos toppings – e também é importante. Para manter a crocância e a frescura das ervas aromáticas, elas têm de estar impecáveis e só devem ser acrescentadas no fim, já na mesa. Agora, tome nota do seguinte. Tal como a feijoada transmontana difere da feijoada de Monchique, a pho do Sul do Vietname difere do pho do Norte do país.
A pho mais exportada é a pho do Sul. Em Lisboa, é também sobretudo essa que encontramos. Mas não aqui. Mesmo que a pho do Sul seja mais popular, a do Hanói da Almirante Reis (a chegar ao cruzamento dos Anjos) é de Hanói. Só isso já lhe dá pontos.
A acompanhar não tem rebentos de soja, nem manjericão tailandês ou menta, mas apenas os sulistas coentros e molho hoisin (o do pato à Pequim, sim). Se pedir com jeitinho é possível que lhe trafiquem aromáticas e malagueta fresca.
Onde também vemos personalidade é nos spring rolls ou rolinhos primavera. Ide a um restaurante asiático desses modernos e cheios de pontos no Zomato e vão ver spring rolls nas entradas. Servidos em pratinhos fancy, sob luzinhas amarelas, parecem bem bons. Ide a um buffet chinês e lá estão outra vez os spring rolls: os mesmos. Ambos terão vindo de uma arca congeladora de um supermercado do Martim Moniz.
No Pho Ha Noi isso não acontece. Os spring rolls são feitos na casa e são maravilhosos, canudos duros e saborosos, fritos com arte e sem aroma a óleo passado. O talento da fritura é também evidente nos camarões fritos, o polme de farinha panko, três bichos tamanho 40/60, por aí, descabeçados e descascados.
Há ainda a salada de frango com manjericão e cebola, temperada com o típico molho de peixe, ligeiramente avinagrado e doce. E recomenda-se igualmente o bun cha Obama, que consiste em entremeada cortada finíssima, marinada e grelhada, servida num caldo agridoce, muito elegante, à parte noodles de arroz (pena que demasiado cozidos).
Gostaria de ter explorado o tema Obama com o rapaz que me serviu, mas o inglês dele é fraquinho e o meu vietnamita ainda mais. Em todo o caso, gosto de pensar que se trata de uma homenagem ao ex-Presidente norte-americano (reconhecido fã da cozinha vietnamita), que, como se sabe, foi o melhor deles todos – e também o mais bonito.
Por fim, outro bom sinal. Não há sobremesa. Como em Hanói.
Resta falar do espaço. Estamos no domínio do feio, do desarrumado, da confusão. A montra já assusta, cheia de fotos desbotadas coladas ao vidro. Lá dentro, estética de snack bar, cadeiras e plásticos, vitrina com refrigerantes e prateleiras com licorosos.
Faço figas para que este Ha Noi floresça e cresça, com mais variedade e mais ambição. Mas o essencial já lá está, que é uma cozinha autêntica, orgulhosa das suas raízes, com uma pho séria, excelente para nos aquecer a alma nos dias frios que se aproximam.
*Os críticos da Time Out visitam os espaços de forma anónima e pagem pelas refeições.