Devemos estar conscientes e eternamente agradecidos à Argentina por ser berço de duas das mais belas criações com que a humanidade conta agora para sua própria sublimação: Diego Maradona e doce de leite. É em Campo de Ourique que encontramos uma pequena catedral deste último, onde, em meia dúzia de solarengas mesas, nos podemos dedicar a devorar várias derivações de massas e construções onde esta pasta mágica é criativamente empregue pela tradição da pastelaria argentina.
O que lá me levou foi a esperança de encontrar chocotorta, um dos meus doces favoritos. Trata-se de um bolo de bolachas de chocolate, embebidas em café, intercaladas com creme feito à base de doce de leite. Esta (4,50€) era bem mais escura e densa do que a que lembrava de outras paragens. Demorei a identificar os motivos da diferença. Não senti presença de café na humidade da bolacha e o creme não era trabalhado com a mistura típica de queijo creme, que confere uma acidez e leveza muito importantes. Este resultado, intenso, não deu asas à minha gula e impediu-me de passar da terceira garfada. Também não fiquei fã dos rolinhos de chocolate que guarneciam faustosamente a superfície da fatia: de qualidade modesta, mas em quantidade abundante, acabam por ocupar um espaço significativo de pouco deleite na trinca.
Passei ao alfajor (1,35€), um doce composto por duas delicadas rodelas de massa, recheado por doce de leite e coberto por chocolate. Tem o tamanho e sabores ideais para suprir uma gula momentânea. Sendo verdade que a mistura de chocolate preto com doce de leite é incontornavelmente bombástica, a dose modesta e a subtileza da massa tornam-no devidamente equilibrado.
Por fim, não resisti a atirar-me a uma factura (1,35€), uma massa de textura leve e sabor intenso (parece um brioche feito com uma farinha mais fina, talvez amido de milho?) ricamente recheada por, adivinhe-se, doce de leite. Foi aqui que melhor senti o apogeu do doce, muito cremoso e lácteo, mas com o amarguinho perfeito da caramelização lenta, provando-nos que leite, açúcar e fogo formam mais uma tríade divina e que a “mão de Deus” não marca só golos à Inglaterra.