1. Quiçá
    Francisco Romão Pereira
  2. Quiçá
    Francisco Romão Pereira
  3. Quiçá
    Francisco Romão Pereira
  4. Quiçá
    Francisco Romão Pereira Bobó de camarão com acaçá de leite de coco
  5. Quiçá
    Francisco Romão Pereira / Time OutCasquinha de siri gratinada com potinho de pimentas
  6. Quiçá
    Francisco Romão Pereira Cesta de pastéis
  7. Quiçá
    Francisco Romão Pereira
  8. Quiçá
    Francisco Romão Pereira Bolo de rolo com goiabada, calda de goiaba e queijo meia cura

Crítica

Quiçá

5/5 estrelas
É oficial, diz Alfredo Lacerda. Lisboa tem finalmente um grande bistrô de cozinha clássica brasileira.
  • Restaurantes
  • Estrela/Lapa/Santos
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Para lá chegarmos, temos de percorrer a 24 de Julho, um confronto com o passado, nem sempre saudoso. Vindos do Mercado da Ribeira em direcção a Alcântara, encontramos vários templos da noite dos anos 1990, quando a avenida era o centro da movida lisboeta. Eis a antiga Kapital, antro de Santana Lopes e da camisa às riscas; num beco transversal, o Plateau, pista para praticar air guitar com mães e pais em crise de meia-idade; e, antes, o Kremlim, lugar das primeiras pastilhas e de artes marciais.

Hoje, ainda há resquícios dessa noite, mas já falta fulgor. À medida que nos afastamos de Santos, a avenida vai-se degradando em lixo, graffiti e lojas gradeadas. Aqui e ali, entre edifícios devolutos, aparecem comércios singulares (hi-fi britânico, material náutico) e, por fim, lá no meio de coisa nenhuma, este restaurante brasileiro, porventura a melhor comida que os canarinhos já praticaram em Lisboa.

À parte a localização, o Quiçá! é perfeito. Estamos perante aquilo que a designação em voga diria tratar-se de um bistrô brasileiro, com foco na Baía. À frente dos tachos está Frederico Frank, escola francesa e passagens por casas em capitais europeias. Sucede que Frank não veio para Portugal ser artista ou vestir a lapela do fine dining. Viu que faltava em Lisboa um lugar onde se servisse uma moqueca decente, com peixe fresco de mar; ou um bobó com camarão a sério (grande, tenso, saboroso). Fred Frank viu isto e, juntamente com Alessandra Azanha, que manda na sala, decidiu que não iria fazer concessões – mesmo sem estar no Príncipe Real, mesmo sem a opulência da restauração caça-expats da Avenida da Liberdade.

Entremos. O interior é tropical, cores fortes e alegres, com um toque de neo-realismo na parede, onde figura a representação escultural de uma favela, peça de Elisabete Marques herdada do antigo espaço que ali viveu, o Umami. Está tudo bem, bonito e confortável, mas o que impressiona mais é a comida e o cuidado nos detalhes.

Começando nos “petiscos e entradas”, o pastel de carne seca vem com Catupiry feito na casa. Catupiry é uma marca e não um tipo de queijo. Foi criada em 1911 por um italiano a residir em Minas Gerais, mas tornou-se sinónimo de um queijo cremoso feito à base de leite de vaca. À parte, vem ainda um picante extraordinário, com três “pimentas” (malaguetas) diferentes, entre elas duas autóctones brasileiras: a olho de bode e a cumari (também conhecida por cabeça de frade). Segue-se a casquinha de siri (caranguejo), tostada na perfeição, acompanhada de halófitas (plantas marinhas) que não são mero enfeite.
Podia-se ficar só nestes pratinhos, com preços entre os 7€ e os 12€, das ostras com vinagrete de citrinos ao caldinho de feijão e torresmos (da barriga de porco), passando pela linguiça flambeada em cachaça (pergunte pela colecção de cachaças artesanais).

O problema é que os principais também são recomendáveis – sobretudo os dois pesos pesados da Baía. Como recusar um bobó de camarão, ainda por cima com acaçá (papa de farinha de milho branco e de arroz, rara hoje em dia)? O mundo inteiro acha que sabe fazer bobós – mais ou menos aguados, com mais ou menos mandioca ou leite de coco. Mas um bobó de especialista, um bobó de chef com pés assentes na tradição, é outra coisa – e este é outra coisa. O mesmo dizer da moqueca. Há muitos brasileiros armados em tigres da moqueca, mas ou se esbardalha o peixe ou se falha na consistência do molho ou na dose de azeite de dendê. Aqui, tínhamos uma peça de corvina cozinhada na perfeição, os temperos no ponto, doçura e seda e aromáticas.

No final, nova prova de virtuosismo. Nem sempre as sobremesas brasileiras me encantam, porque demasiado intensas: se há povo que se bate com os tugas em matéria de açúcar é o brasileiro. Ora, no Quiçá! eleva-se a técnica de Fred Frank, que recorre ao arsenal mais sofisticado do seu reportório para nos dar um pudim de tapioca e “baba de moça” (creme de leite de coco, ovos e calda de açúcar) que entra directamente para a minha lista de sobremesas do ano, bem como uma das grandes mousses de chocolate (cacau brasileiro) de Lisboa, com bolacha de castanha de caju.

No final, diria que a factura começa nos 30€ e depois depende da quantidade de caipirinhas (recomendáveis) e de vinho (lista curta, mas bem seleccionada). O que é um preço justo, tendo em conta a qualidade da cozinha e do produto.

Lisboa já tem um bistrô brasileiro. E é do melhor que há.

Detalhes

Endereço
Av. 24 de Julho 110 (Alcântara)
Lisboa
1200-871
Horário
Ter-Qua 12.00-15.00. Qui-Sáb 19.00-23.00. Dom 12.00-15.00
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