Sentados na esplanada à beira-rio, a primeira sensação é de Tarrafal. À nossa volta está um gradeamento com arame farpado, alto como numa cadeia de alta segurança. Em 20 passos estaríamos com os pés de molho no Tejo, mas a cerca da esplanada do Quitanda transforma o rio numa miragem e o restaurante numa cadeia de alta segurança sem projecto de arquitectura.
Olhando para terra, as coisas não melhoram. O Centro Náutico de Paço d’Arcos, onde o restaurante está instalado, parece uma piscina municipal do tempo em que as piscinas municipais eram construídas sem fundos europeus. Há uma sala no primeiro andar, relativamente arrumada, e há mesas no rés-do-chão lado a lado com os balneários, a secção de canoagem, placards com quadros competitivos e vitrinas onde se exibem os troféus do clube.
No meio desta parafernália, eis então o tesouro do Quitanda: a banca do peixe. Antes de nos sentarmos, temos de lá ir escolher os bichos. A lista é isto, está à vista. Numa das visitas, havia gorazes, sargos gordos, corvinas de dez quilos, robalos, cherne, as primeiras sardinhas do ano (sim, já as encontra no mercado, sobretudo nos de Sines e Sesimbra) – tudo de mar, tudo fresco, comprado em várias lotas da região. Não me lembro de ver tanto peixe desta qualidade num restaurante tão perto de Lisboa.
“De manhã vou buscar peixe a vários sítios. Depende de onde me ligam. Tenho uma carrinha com um ano e já tem mais de 100 mil quilómetros”, diz o dono. O homem, uma figura castiça e densa, está sempre estrategicamente posicionado entre a banca do peixe e a caixa registadora, ali a três metros, e só faz duas coisas: pesar o peixe e tirar contas – muitas contas. Aos dias de semana, o sítio enche-se de clientela do eixo Oeiras-Algés, um misto de funcionários do Tagus Park, executivos e reformados da Linha. As mesas estão quase todas reservadas (só aceitam reservas até às 13.00), mas a partir das 14.00 começam a vagar.
À hora de ponta, contudo, o serviço é caótico. Os empregados são um bando de figuras heterogéneas e desconcertantes. Quando peço a palavra-passe da rede wifi, por exemplo, uma das empregadas responde: “Tem de se levantar e ir ver ali à parede”. A mesma rapariga haveria de ser protagonista de uma das frases mais inusitadas da restauração portuguesa. As sobremesas são caseiras?, perguntei-lhe, já no fim da refeição. “Nenhum doce é feito na casa”, atirou com a frieza de um psicopata.
Esta honestidade tem a virtude de não enganar ninguém. O Quitanda é um restaurante que não engana ninguém. Vai-se lá para comer quatro coisas e só quatro coisas: azeitonas, pão, amêijoas à Bulhão Pato e peixe grelhado, que pode ir dos 27,5€/kg para sargos e corvina, até aos 35€/kg para robalos e cherne.
O ex-líbris, claro, é a travessa de alumínio do peixe, aqui muito bem acompanhado de legumes cozidos no ponto, como feijão verde, brócolos, grelos e batatas cozidas. Todas as prisões fossem assim.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.