O desaparecimento de Ana Raminhos da Micro Padaria no ano passado foi uma perda triste. Regularmente, perguntava-me por onde andaria. Havia um grau de acerto superlativo nas suas confecções que não se coadunaria com eclipsar-se no universo draconeano da restauração. Mas, voltou. E podemos agora encontrá-la no primeiro restaurante, que me lembro de conhecer, dedicado a sobremesas.
Ana Raminhos sabe tanto do seu ofício, que percebeu que o espaço adequado seria necessariamente uma síntese logística, onde não houvesse nada a concorrer com a atenção que devemos ao que lá nos leva.
O menu é difícil de ultrapassar. Tudo parece imperdível. O ideal é pedir ajuda. Ana explica a composição dos pratos e sugere casá-los com um vinho. Iniciei o meu jantar na proposta mais verde de todas: duas quenelles de sorvetes (coentro e coco) vislumbravam-se sob um salpicado de ervas e uma cama de finas tiras de maçã. Não tenho palavras para justiçar este sorvete de coentros, que nunca imaginei tão incrível. Tem uma frescura infinita, um doce subtil e cheio de vida, emancipado pela espuma de aipo. As ervinhas que se vão trincando (poejo, coentro, estragão) não amargam e trazem toques terrosos (10€).
Depois desta complexidade boa, continuei com uma torta de chá preto dos Açores (12€). A camada de bolinho enrolava-se em volta de um sumptuoso creme de chá preto, onde o seu aroma denso era embalado por uma untuosidade láctea, logo estilhaçada pelo amargor brilhante da toranja, num sorvete explosivo, de lado. Acompanhei com um porto branco abarricado, seco – essencial para harmonizar a doçura dos pratos (6€).
Por fim, o melhor bolo de chocolate do mundo (11€), que está ainda melhor do que recordava. São três camadas: uma massa densa de cacau, coberta por um creme de chocolate negro, coberto por um crumble intenso, feito com trigo sarraceno, o que me pareceu intensificar toda a sobreposição de cacau. E as pedrinhas de sal são a magia que se sabe junto do chocolate. O toque novo é o gelado de peras bêbadas que acompanha, com um ligeiro, mas necessário travo de aguardente.
Ter-me-ei já alongado nos adjectivos que, no final de contas, me parecem todos toscos para descrever o que Ana Raminhos constrói. Não me canso de me emocionar com a inteligência do seu lavor. Prová-lo é necessário.
Rua Pereira e Sousa, 53 B (Campo de Ourique). Qua-Sáb 17.00-22.30