Onde raio é que, em Lisboa, se consegue almoçar num sítio com atmosfera luminosa, azeite transmontano Acushla, mármores de lioz e uma peça artística de Francisco Vidal – e isto sem termos de pagar mais de 30€? Dito de outra forma: onde se pode almoçar com algum estilo, bons produtos e uma sala bonita, não tendo os portugueses salários de alemães?
Ora, o Refeitório, instalado na Praça, no Hub Criativo do Beato, é um desses oásis raros de Lisboa, sem hordas de turistas a passar à porta, arejado e luminoso, com preços sensatos, estacionamento e pratos do dia que não arroz branco com polpa de tomate e filetes de red fish congelado.
Por 15€, come-se sopa, prato e sobremesa – sendo também certo que, quando perguntar de que é a sopa do dia, não lhe vão responder que “é de legumes”. A sopa, aliás, foi a primeira coisa que me agarrou a este Refeitório, um projecto que comporta uma loja de produtos exclusivos, uma padaria e o restaurante, este um espaço autónomo, onde se almoça e janta.
Na primeira visita, calhou um creme de beterraba e citrinos, absolutamente irrepreensível, sem notas excessivamente terrosas, como é costume, e o azeite cru a contrapor ao docinho e a atirá-la para o céu. Na segunda visita, houve um caldo verde sedoso, feito de batata boa (usam-se, por norma, batatas do produtor da Lourinhã Raúl Reis) e a couve galega em fios, fresca e tenra, com o azeite outra vez a fazer brilhar o prato.
Para quem gosta de azeite, aliás, a Praça, e este Refeitório, por maioria de razão, são um parque de diversões. No couvert, veio um azeite transmontano (o tal Acushla) cheio de sabor e harmonia, perfeito para ensopar o pão de fermentação lenta feito na casa, ou para ir alternando com as azeitonas (também transmontanas, mas demasiado salgadas). E quando se pediu o bacalhau com broa, à carta, foi o mesmo azeite que temperou o prato, com a possibilidade de derramarmos uma dose suplementar.
Se gostar, pode levar o azeite para casa, que ali ao lado, na loja da Praça, estão disponíveis para venda o Acushla e outras garrafas de várias regiões do país, tudo bem seleccionado, um dos poucos acervos de azeites de qualidade que se encontram em Lisboa, a preço justo.
Voltando à carta do Refeitório, para além do menu do dia de almoço pode-se escolher entre três pratos fixos, da autoria do chef residente Glediston Santos: o tal bacalhau com broa, com grelos e broa bem frita e crocante (bom, mas faltou acidez e uma batata mais densa); barriga de porco com arroz de cogumelos e abóbora, a carne a desfazer-se, acompanhada de um jus caramelizado, gostoso e intenso; e um bife do lombo, versão da receita clássica de bife à Jansen, que Domingos Rodrigues fixou em A Arte da Cozinha, de 1680, o primeiro livro de cozinha portuguesa impresso.
Depois, vale a pena pedir a sobremesa. A filosofia é a mesma dos salgados: pratos simples, com um toque de chef e bom produto.
A sala está cheia de luz e a cozinha aberta é também ela muito bonita, entrando-nos pelos olhos. O serviço é acima da média, na atenção e domínio do menu. E a carta de vinhos, sendo curta, tem óptimas opções para quem está farto dos clássicos do costume e prefere produtores pequenos.
Na Praça, vendem algumas dessas garrafas para fora, sendo uma das suas apostas os eventos com produtores de vinhos. De resto, podem-se comprar muitos outros produtos de qualidade, de leguminosas biológicas a enchidos, chás ou arrozes. Aos fins-de-semana, servem-se brunches.
Em síntese. Almoçar fora é uma instituição lisboeta, por variadas razões. Muitos lisboetas têm de almoçar fora todos os dias, porque trabalham em Picoas e vivem em Carnaxide, ou porque vivem em Picoas e trabalham em Carnaxide, mas também, para muitos, o intervalo do almoço é o único momento onde podem conviver com os amigos, longe da vigilância do director geral, da tensão entre o casal e da berraria da filharada.
O Refeitório honra a instituição portuguesa do almoço, mas diz-nos que o convívio pode ser acompanhado de comida de qualidade, neste caso, com produto de topo e a preços respeitosos. Ide, ide.