1. Restaurante Cerqueira
    Rita Chantre
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Crítica

Restaurante Cerqueira

5/5 estrelas
Uma rapaziada do Brasil tomou conta de uma tasca portuguesa e criou algo extraordinário. Alfredo Lacerda rejubilou.
  • Restaurantes
  • Lisboa
  • Recomendado
Alfredo Lacerda
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A Time Out diz

Na primeira visita, achei que tinha sido só sorte. Foi um almoço a meio da semana, o restaurante vazio, início do serviço. Tinha o cozinheiro só para mim, mais a empregada só para mim. 

Mesmo assim, percebeu-se logo talento e cuidado. A abrir, veio uma língua grafada “em vinagrete” no menu, mas que me pareceu antes uma língua em picle de pimento e azeite. Oh deus, que maravilha. 

A língua estava tenra, disposta como num carril de dominó tombado, afundada em azeite. E depois por cima tinha uma brunoise delicada de pimento vermelho maduro, cheio de sabor, cortado a regra e esquadro, em cubinhos, como se o Restaurante Cerqueira fosse um estrela Michelin e não uma recriação da tasca que antes pertenceu a Avelino e a Ana Cerqueira. 

É isso mesmo. Estamos perante mais uma tasca que acaba. Mas aqui sem drama, sem tragédia. Sem tasca moderna a substituí-la. Porque o que a rapaziada que ocupou o lugar fez foi das coisas mais bonitas que tenho visto na restauração de Lisboa. 

A história lembra o que acontece com o, agora célebre, Velho Eurico. Dois ex-clientes brasileiros, Ângelo Lellis e Aylton Viana, um dia aceitaram o convite do dono para ficarem com o lugar. E assim foi. 

Na carta, mantiveram alguns dos clássicos do lugar de tasca, como o pastel de bacalhau ou o bacalhau à minhota. Mas avançaram e criaram, na verdade, algo novo que não renega o passado, algo novo que conhece o passado, que conhece o país onde está, que o respeita, que o ama, que o transforma. 

E transforma bem. 

O bacalhau à minhota de Aylton e Ângelo, que comi nessa primeira visita, é um exemplo belíssimo do que acabei de escrever. Era um bacalhau frito em cebolada, mas nem o frito, nem a cebolada são o que eram. No polme do peixe, só farinha de milho, capa sequíssima que deixou o bicho húmido por dentro e estaladiço por fora. A cebolada, por sua vez, era ligeiramente ácida e doce – e isso também fez sentido. 

Vai directo para um dos meus pratos preferidos do ano – mesmo se as batatas esmurradas a acompanhar talvez pudessem ser de melhor qualidade, porventura até cozidas, a contrastar com a intensidade do bacalhau. 

Mas não ficámos por aqui. Outro clássico recriado: bolo de bolacha. Bolo de bolacha é bom, quase sempre, mesmo com margarida a rodos e mau café. Aqui, é muito bom, porque em cima dele os miúdos puseram uma montanha de chantilly fresco, com bolacha e grãos de café trucidados. Deram-lhe mais uma camada, das boas. 

E, pronto, estávamos assim. Encantados.

Sucede que já vi casas boas em almoços serenos que ao jantar, com o serviço e a cozinha sob pressão, rebentam. Voltei no dia seguinte. Ao jantar. 

À chegada, eis a pressão. Sala a rebentar, só com jantares de grupo. Mais pressão do que isto é impossível. Vai dar asneira, pensei, daqui a uma hora, na melhor das hipóteses começo a comer. 

O ambiente era de festa, uma vozearia alegre de taberna e copos a bater, e copos a encher, estudantes das Belas Artes em festa, a interromper logo nos pastéis de queijo para irem fumar, a entrarem e a saírem, trocando de lugares. O pesadelo para qualquer camareiro. O horror para qualquer cozinha. 

Ora, em dez minutos estava a morder um rissol de língua (sim, adoro língua), acabado de fritar, sequíssimo, suculento, que calhou muito bem com o pratinho de picles variados (tomatinho – incrível! –, cebolinha, quiabos, pepino), todos eles firmes e perfeitos. 

Logo a seguir, aterra a beringela em miso, com um ralado de pão frito por cima – inspirada no nasu dengaku, o clássico japonês (não encantou); e depois os torresmos, prato brasileiro de boteco – a barriga de porco frita na panela, o courato como a cara de um adolescente borbulhento, que é como deve ser.  

Foi menos aplaudido o bolo “atabafado”, que veio com a massa esfarelada e seca, mas isso não apagou o brilho do restaurante. 

Não se trata de uma tasca moderna, porque está lá todo o mobiliário da tasca (o espaço só um pouco mais limpo), e está lá o espírito de recreio e o carinho pelos clientes, e estão lá raridades, como o vinho de Dr. Bruno (Aleixo, esse mesmo), produzido pelo Rocim, um clarete de casta Baga da Bairrada, para se beber fresco, muito bom. 

Este Restaurante Cerqueira é um tesouro em grande forma. Como acontece com os atletas de alta competição, a forma tem altos e baixos – e este é um desporto de desgaste rápido. Vão lá já, em ordem, marcando mesa, sendo civilizados e amigos das pessoas. A festa está garantida, mesmo se nas colunas estiverem a tocar as Mamonas Assassinas, ou então também por isso. 

Detalhes

Endereço
Calçada de Sant'Ana 49
Lisboa
1150-169
Preço
15€-25€
Horário
Ter-Dom 12.30-15.00, 18.30-23.00
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