Onde é que se come bom peixe em Lisboa? A pergunta surge dezenas de vezes – e sempre que isso acontece fico com olhos esbugalhados de Chicão em pânico (sim, o do CDS).
“Ora bem, restaurante de peixe, restaurante de peixe, restaurante de peixe...”
Não é fácil. Perguntem-me sobre bons pithiviers e ramens e bitoques e metralho uns quantos. Peixe fresco, peixe grelhado, tenho de pensar. É claro que há sempre os abastados. No Solar dos Presuntos, por exemplo, come-se peixe de fundo do melhor (problema: custa o preço de um colar de ouro). Mas eu assumo que a referência são essas casas com vitrina e preçário ao quilo. E isso, em Lisboa, é complicado.
Duas regras universais ajudam-nos na busca por um restaurante de peixe fresco, em Portugal como nas Filipinas. Primeira regra: vá para perto do mar. Segunda: vá para perto de um mercado de peixe. Em Lisboa, restam-nos os mercados.
Ao longo dos anos, tenho assistido a muitas compras de peixe em banca, sobretudo no Mercado de Alvalade. Grande parte dos restaurantes instalados nas redondezas, desde grandes navios, como o Tico-Tico, a casas mais simples e económicas, como o Pérola do Ceira, abastecem-se ali. É uma maravilha ver os patrões (são sempre os patrões), de bloco e caneta, muitas vezes já fardados (camisa branca e calça preta) a fazer encomendas. Para o Tico-Tico é à dúzia de robalos, cherne e douradas grandes.
No Pérola do Ceira procuram-se os besugos e os carapaus gordos. Foi assim que descobri o restaurante desta semana. Estava na banca do Horácio, à espera de vez, quando reparo num homem ao meu lado. Não pedia pela espécie, pedia ao peixe: “Quero aquele robalo, aquele pregado”. Meti conversa com ele e, perante a expertise, perguntei: trabalha num restaurante? “Sim, é ali ao fundo”, respondeu-me. Onde?, insisti, estupefacto, procurando seguir o seu dedo indicador. “Ali”.
O Restaurante Mercado de Alvalade fica dentro do mercado e eu nunca dera nada por ele. Fica escondido, do lado oposto à entrada principal, na Avenida Rio de Janeiro. Para o encontrarmos, temos de ir à sua procura. Há uma porta directa a partir do mercado, mas está sempre encostada; e, do lado da rua, é preciso subir umas escadas para o encontrarmos.
Quando lá entrei, fiquei surpreendido. Sala grande, cheia, alegre, vizinhança reunida em segredo, clientela diversa: executivos, casais reformados, o ex-jogador do Sporting e comentador Pedro Barbosa a um canto, o escritor Mário de Carvalho também lá pára. Mesas bem postas e atoalhadas, copos de vinho correctos e, mais do que tudo, aquela carta típica de restaurante de peixe como deve ser. Uma dúzia de “Sugestões” do dia, onde encontramos barriga de atum grelhada, lulas da costa, pregado frito com arroz de tomate, carapauzinhos, lulinhas em azeite e alho.
Temos diversidade – de peixe e de técnicas – e temos preços à dose, justíssimos, que vão dos 12,50€ dos linguadinhos fritos aos 18,50€ da espetada de tamboril, só possíveis sem intermediários e custos de transporte.
Há depois uma secção de “Peixes”, com lagareiros, ovas de pescada, filetes de polvo com arroz do mesmo ou peixes para grelhar ao quilo, como robalos grandes, garoupa e salmonete, tudo passível de ser escrutinado na montra de peixe a um canto da sala, tudo consistentemente hirto e brilhante como raramente se vê em Lisboa e tudo acompanhado com legumes de época, seja grelos, seja feijão verde em juliana fina (e que diferença faz). Fora da carta, pode ter a sorte de restar uma cabeça de corvina com três quilos ou uns choquinhos à algarvia puxadíssimos de alho e coentros, a nadar em poça de azeite com rasto de tinta.
Nas carnes, é hábito aparecer uma tachada das antigas nas sugestões do dia, como mão de vaca com grão ou feijoada à transmontana, e há sempre dois bifes e dois bitoques (um do lombo). Por fim, temos mais clássicos, com as farófias e o arroz doce.
Em síntese. Eis um verdadeiro restaurante de peixe à portuguesa, que vai além da douradinha e afins e que dá a ver a matéria-prima que serve, com orgulho. Bom compromisso entre peixes mais caros e outros mais baratos, ao sabor da época (o peixe também é sazonal, sim) e do que aparece na banca. Serviço dedicado e despachado. Só almoços. Reserve.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.