A vida de um restaurante é instável. A de um crítico de restaurantes também.
Vejamos.
Dia da semana, almoço.
É tudo lento, muito lento. As bebidas demoram 20 minutos, os dois croquetes de carne (na verdade, de alheira) de entrada 40 minutos, os pratos principais uma hora.
De resto. O tornedó “médio passado” vem cozido por dentro. As batatas fritas aparecem amolecidas e húmidas. E o arroz cremoso de tamboril do dia, ainda que excelente, é rapidamente ofuscado por um leite creme que parecia um pudim.
A sala está bem composta de pessoas que aproveitaram o sol primaveril de Inverno para almoçarem junto ao rio. O Rio de Prata está todo virado para o Tejo, de costas para Marvila, só vidros amplos e um jardim entre a sala e a água.
A sala é bonita, sóbria, a cozinha aberta e bem equipada, com os cozinheiros calmos, porventura demasiado calmos.
O empregado acorre no fim da refeição a pedir clemência. Não é bem um pedido de desculpas, é mais uma justificação. “Esperaram muito, não foi? Não contávamos com tanta gente ao almoço”.
O rapaz tanto oficia no balcão como na sala. Ora dá conta de um cocktail, ora vem entregar a açorda de carabineiro. A seu lado, uma acartadora de pratos, apática e lenta como um Tesla a meio caminho do Algarve.
No final do almoço, balanço e contas: mau serviço, um arroz óptimo, um tornedó com problemas, uma sobremesa que não devia ter sido servida.
Segunda oportunidade. Dia da semana, jantar.
Só uma mesa de seis pessoas, já a ser despachada.
Chego às 20.29. Às 20.32 faço o pedido. Às 20.40 tenho à minha frente um polvo à lagareiro, um tentáculo tenro e tostado acompanhado de puré de batata doce, batatinhas em cunha assadas e uns grelos deliciosos.
Assim que termino o polvo, chegam as bochechas de atum. Mas, espera! As bochechas não cheiram a atum. Não parecem atum. Não sabem a atum. Ups. O empregado – um gabiru simpático e educado e com excesso de confiança – confundiu-se.
“Como pediu bochechas, eu achei que eram as de porco”, explica.
“Mas eu disse bochechas de atum”, explico.
“Como toda a gente pede de porco, eu ouvi de porco, peço desculpa”, contrapõe.
Havendo dois pratos de bochecha no menu, diria que convém ouvir bem. Quem sabe, até – talvez –, apontar num papelinho.
Estão excelentes as bochechas de porco, com os legumes crocantes, glaceados, perfeitos.
A meio, pergunta-se pelos vinhos a copo e só há três, sendo a carta bem feita e diversa. Ora, ao almoço, tinham-nos dito que tudo podia ser servido a copo. Era só querermos. Alguém se confundiu, outra vez.
Tudo baralho e dado, como se avalia um restaurante assim?
Podíamos ter sido felizes, com um menu de almoço de 13 euros e o arroz de tamboril. Podíamos ter sido felizes com as bochechas de atum que eram de porco ou com o tentáculo de polvo. Mas é tudo tão instável que temos medo de voltar.
Estamos sempre a ouvir isto dos chefs e restauradores: a consistência é a coisa mais difícil de se conseguir num restaurante.
Neste Rio de Prata, falta isso e, eventualmente, também falta Carla Sousa, a chef que inaugurou o restaurante há pouco mais de um ano e que já lá não mora.